30/04/15

© Bernardo Martins | Giovano Anselmo, 2015


Tenta, tenta só
pôr asas numa pedra, tenta
seguir o rasto de um pássaro
no ar.

Hans Børli

29/04/15

© Nelson D'Aires | São Bartolomeu do Mar, 2012


Absoluta a suavidade sem espera
um aroma sem aroma
o silêncio entre os corpos

António Ramos Rosa

28/04/15

© Gavin Bond | Michael C Hall

...
Alguém viera do mar.
Alguém chegara do estrangeiro, coberto de pó.
Alguém lera livros, poemas, profecias, mandamentos,
inspirações.
...
Herberto Helder

27/04/15

© Catarina Mourão | A Toca do Lobo, 2015

"Todas as famílias guardam segredos. A minha não é excepção. Primeiro descubro um velho filme de 9.5 mm, depois volto aos velhos álbuns de infância da minha mãe onde as fotografias me parecem todas ilusões ópticas. Mais tarde o meu avô que nunca conheci revela-se e fala comigo num estranho programa de televisão. Entre passado e presente, tento dar um sentido àquilo que vou descobrindo e aos silêncios e portas fechados que continuo a defrontar." Catarina Mourão

O filme A Toca do Lobo será exibido na Culturgest no dia 28, às 21h30, e repete dia 30 às 16h30.

25/04/15


"A minha ideia e a minha preocupação a fazer esse livro [O Tesouro] era explicar a jovens que nasceram em liberdade o que era a falta de liberdade... No livro, diz lá assim: "A liberdade é como o ar que respiramos"... Nós nem nos damos conta de que respiramos, respiramos e pronto, mas quando nos falta o ar é um sufoco. E a liberdade é uma coisa parecida... vocês nem se dão conta de que são livres, mas quando perdemos a liberdade é um sufoco enorme. E depois queria tentar, através de histórias verdadeiras e de pequenos pormenores, explicar como não haver liberdade é completamente absurdo, não é natural. A razão não consegue alcançar como eram proibidas coisas como, para jovens como vocês, as raparigas não poderem andar nas mesmas escolas do que os rapazes, tinham de estar separadas. É estúpido, não é? Não é completamente estúpido os rapazes não poderem estar nas mesma escola que as raparigas? É sempre estúpido, mas naquele tempo era imposto. Não faz sentido nenhum... Nas bibliotecas, havias duas bibliotecas: uma com livros para raparigas, outra com livros para rapazes. É absurdo. Não podíamos ler os livros e as músicas que queríamos... Eram coisas absurdas... A ausência de liberdade é absurda e foi isso que quis dizer nesse livro." 

Manuel António Pina, in JN

24/04/15



Esta relação íntima, que existe entre a música e a verdadeira essência de todas as coisas, explica-nos também por que, quando com pretexto de uma cena, de uma acção, de um evento, de um ambiente qualquer, ressoa uma música adequada, esta parece revelar-nos a significação mais secreta e afirmar-se como o mais exacto e mais luminoso dos comentários; compreendemos igualmente como é que aquele que se abandona sem reservas à impressão produzida por uma sinfonia julga ver desenrolar-se perante os seus olhos todos os acontecimentos imagináveis da vida e do mundo.

Nietzsche, in A Origem da Tragédia

23/04/15

© Rita Carmo | Aldina Duarte - Romance(s), 2015


No final do disco, a amizade vence. E na vida?
Aldina Duarte: Eu acho, ao contrário do poeta, que é possível ser feliz sozinho. Porque senão eu não existia, sempre fui uma solitária desde criança. E aprendi a ser feliz. Mas nunca vamos tão longe se não tivermos os nossos companheiros. Eu não consigo valorizar mais o amor do que uma amizade. A maior dor que tive na minha vida, irreparável, foi a perda de uma amizade e não de um amor. É pior do que uma morte. É um copo que se parte, não tem como se refazer. E deixa estilhaços por todo o lado, é horrível.

Como é que se recupera de uma coisa dessas?
Aldina Duarte: Não se recupera, integra-se. Não se consegue aceitar isso nunca.

E essa integração dá o quê?
Aldina Duarte: Dá uma dor que nos ensina a viver com ela e a não fugir dela. Abomino o sofrimento, acho-o um lamaçal, mas a dor é fundamental para crescer. Faz parte da vida e há que olhá-la de frente. Quem não cresce por medo da dor, mais tarde ou mais cedo definha.

Nuno Pacheco, aqui.

22/04/15

© Herbert List


...É um novo silêncio e um novo sol
sobre a mesa de pedra
o meu desejo à claridade da folha
lança-se
sobre um campo verde
ao abandono vejo

António Ramos Rosa

21/04/15

© Sebastião Salgado | Génesis


Sebastião Salgado: "Queria compreender aquilo que Darwin tinha compreendido. A mesma espécie, em ecossistemas muito diferentes, evolui de forma muito distinta. Olhando em pormenor para esta pata de iguana não posso deixar de pensar na mão de um guerreiro da Idade Média, com as suas escamas metálicas, para se proteger... E ao olhar para a estrutura daquela mão vejo que a iguana é também meu primo... Que viemos da mesma célula."

in O Sal Da Terra

20/04/15

© Sebastião Salgado


Sebastião Salgado: "Somos um animal muito feroz, um animal terrível, nós, os humanos. Seja na Europa, seja em África, seja na América Latina, seja onde for. Somos de uma violência extrema. A nossa história é uma história de guerras. É uma história interminável, uma história de opressão, uma história de loucura. (...)  Toda a gente devia ver estas imagens [Ruanda], ver como a nossa espécie é terrível. (...)  Quando saí dali, vinha doente. Muito doente, o meu corpo estava muito doente. Não tinha nenhuma doença infecciosa mas trazia a alma doente. (...)  Retirei-me daqui... sem acreditar fosse no que fosse. Deixei de acreditar que houvesse salvação para a espécie humana. É impossível sobreviver a tal coisa. Nem merecíamos viver. Ninguém merecia viver...  Quantas vezes pousei a câmara para chorar aquilo que via?..."

Wim Wenders: "Sebastião vira a escuridão bem no seu âmago. E questionava o seu trabalho enquanto fotógrafo social e testemunha da condição humana. O que lhe restava fazer, depois do Ruanda? (...).   
A Terra sarou o desespero de Sebastião."



17/04/15

music never sleeps...


Philip Glass | The Photographer: Eadweard Muybridge


Irving J. Massey points out that "music is the only faculty is not altered by the dream environment, whereas action, character, visual elements and language may all be modified or distorted in dreams." More specifically, he writes, "music in dream does not become fragmented, chaotic or incoherent, neither does it decay as rapidly as do the other components of dreams on our awakening."
(...)
Massey concludes that "Music in dreams then is the same as music in our waking life... One might say that music never sleeps..."

Oliver Sacks, in Awake and Asleep: Musical Dreams - Musicophilia



BBC | The Weird World of Eadweard Muybridge

16/04/15

... when another writer in another house is not free, no writer is free.

© Philip Grey

My experience as a guide, and other like experiences in later years, taught me something that we all know but that I would like to take this opportunity to emphasize. Whatever the country, freedom of thought and expression are universal human rights. These freedoms, which modern people long for as much as bread and water, should never be limited by using nationalist sentiment, moral sensitivities, or—worst of all—business or military interests. If many nations outside the West suffer poverty in shame, it is not because they have freedom of expression but because they don’t. As for those who emigrate from these poor countries to the West or the North to escape economic hardship and brutal repression—as we know, they sometimes find themselves further brutalized by the racism they encounter in rich countries. Yes, we must also be alert to those who denigrate immigrants and minorities for their religion, their ethnic roots, or the oppression that the governments of the countries they’ve left behind have visited on their own people.
But to respect the humanity and religious beliefs of minorities is not to suggest that we should limit freedom of thought on their behalf. Respect for the rights of religious or ethnic minorities should never be an excuse to violate freedom of speech. We writers should never hesitate on this matter, no matter how “provocative” the pretext. Some of us have a better understanding of the West, some of us have more affection for those who live in the East, and some, like me, try to keep our hearts open to both sides of this slightly artificial divide, but our natural attachments and our desire to understand those unlike us should never stand in the way of our respect for human rights.
(...)
I have personally known writers who have chosen to raise forbidden topics purely because they were forbidden. I think I am no different. Because when another writer in another house is not free, no writer is free. 

Orhan Pamuk, in Freedom to write

15/04/15

© Michael Muller | David Lynch, 2013

Lynch doesn't see the merit in explaining his work to the masses.
"It limits it," Lynch said, when asked why he's reluctant to talk about his work in detail. "It stops people from intuiting and thinking on their own. Nothing should be added. Nothing should be subtracted. A film, a book, a painting— it’s done, and this is it. There’s a comfort when your ideas are realized. You’ve worked so that all the elements are working together and it feels complete and correct. Then you say it’s done. Then it goes out into the world but it doesn’t need any more explanation. It is what it is. In cinema, cinema is such a beautiful language—as soon as people finish a film, people want you to turn it into words. It's kind of a sadness—for me, the words are limiting. Whereas this language is the language that you love. The language of cinema. It's about love, is what it’s about."
Ideas come to Lynch like a TV in his mind.
When asked how he comes up with his ideas for his art, Lynch said, "It comes like on a TV in your mind. They’re beautiful gifts. Desiring an idea is like a bait on a hook. You can pull them in. If you catch an idea that you love, that’s a beautiful day. And you write it down. That idea might just be a fragment of the whole, but now you have even more bait. Thinking about that small fragment, that little fish, will bring in more. Pretty soon you might have a script. Or a chair, or a painting, or an idea for a painting. More often than not, small fragments. In the other room the puzzle is all together, but they keep flipping it one piece at a time." in Indiewire

14/04/15

© Wim Wenders / Cortesia Blain Southern | "Forest in Brandenburg", 2014


Wim Wenders

10/04/15

Wim Mertens & Dirk Descheemaeker | Casa das Artes de Famalicão, 2015

Regressa em pensamento ao concerto onde a música explodia...

Adam Zagajewski 

09/04/15

Richard Ayoade|Mia Wasikowska: The Double, 2013

Simon: I have all these things that I want to say to her, like... Like how I can tell she's a lonely person... Cause I know what it feels like to be lost and lonely and invisible.

in, The Double 

08/04/15

© André Kertesz


"Pode-se deixar de escrever, mas não de ler; quando se lê, há sempre qualquer coisa mais para acrescentar ao nosso entendimento do mundo – ainda que também a experiência da leitura, com o tempo, mude.
© Leonard Neumann

(...) Gastão Cruz escreveu um poema, A leitura, que apareceu em 1963 no livro A Doença. Nele, a leitura aparece como qualquer coisa que nos pode tomar o corpo, como um vírus, uma bactéria, um bicho que se vai alimentar do hospedeiro. Evoca o estado de transe que todos os grandes leitores conhecem da infância e da adolescência, quando nada mais importa do que o universo que temos nas mãos, podendo ser mais real do que a própria realidade, ou, pelo menos, mais essencial.
Faz também pensar em longas férias de Verão e na praia, onde os livros se consomem com sensualidade e uma certa indulgência."

Susana Moreira Marques, aqui.

07/04/15

© John Freeman |Tomas & MonicaTranströmer, 2014

Enquanto Monica empurra suavemente a cadeira do marido por uma rampa que leva à casa, até entrar na sala, todos os símbolos da grande poesia de Tranströmer sopram à nossa volta. O chão em redor está cheio de raízes e de musgo. O vento sussurra nas árvores. Cheira a sal marinho e a resina. Há certamente um falcão ou um bútio que nos sobrevoa, espreitando-nos, observando a cena. 
Tranströmer começa de imediato a apontar para coisas, em gestos silenciosos, do género: "Olheera isto que eu estava a tentar dizer."

John Freeman, aqui.

06/04/15

© Bernardo Martins

Pela janela surda, um sopro, derramado do fundo obscuro do céu...

Francis Ponge

03/04/15

o perfume da realidade está na essência

© Manoel de Oliveira | Aniki-Bóbó, 1942

As intenções do filme são outras e mais essenciais: «Fazer espelhar nas crianças os problemas do Homem, problemas ainda em estado embrionário, pôr em oposição concepções do Bem e do Mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão [...], sugerir o medo da noite e do desconhecido, a atracção da vida que palpita em todas as coisas à nossa volta, contrastando com a monotonia do que é fechado, limitado por paredes, pela força ou pelas convenções.» Essa é a matéria documental fundamental de que é feito Aniki-Bóbó: o mundo humano elementar dos sentimentos primeiros e essenciais. Porque «o perfume da realidade está na essência.»

Manuel António Pina, in Aniki-Bóbó [ensaio escrito por encomenda do British Film Institute para a colecção BFI Classics, editado em Portugal pela Assírio & Alvim - livros de cinema, 2012]

02/04/15

© João Paulo Santos


Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

01/04/15

© Ferdinando Scianna


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles