31/12/14

© Enric Vives-Rubio | detalhe da biblioteca de João Luís Lisboa, 2014

“Uma biblioteca pode ser um lugar de isolamento”, diz. “Mas também pode ser um lugar de conversa. É uma forma de estar com o resto do mundo.”

Susana Moreira Marques, aqui.

30/12/14

© Nicholas Nixon


"É uma história inquietante, tão perturbadora quanto bonita, mais uma vez pela aparente simplicidade com que transmite um dos mais angustiantes efeitos: o do tempo." 

Isabel Lucas, aqui.

29/12/14

© Miguel Branco | Untitled, Fimo clay, wood and wire, 2007

Agora és um animal que pensa
Amanhã um animal que dorme
Mas tens uma noite inteira para dormires do mesmo lado
Hoje és um dia que começa outra vez
Como se hoje pudesses plantar o dia que não acaba
Um animal que come a sombra diurna daquilo que é pensado
És um alimento
Agora és um alimento que dorme
Do mesmo lado da mão direita de quem colhe
Como se hoje pudesses plantar-te no que frutifica
E igualares-te no silêncio a uma pedra fechada
Uma pedra em sua natureza humilde de coisa que vive
Em seu mistério de coisa que sem sementes se propaga
Agora és um animal que se propaga no sono
Que pesa menos do que o sonho ou um pássaro
Um animal que se eleva em seu instinto de máquina
És agora uma máquina montada para a morte
Uma avaria dentro dela que lentamente desgasta.
E fabricas um homem que se afasta
Do mundo

Daniel Faria

27/12/14

© Ólafur Arnalds - 26.12.2014

You don't have to believe in Christmas, he said, but you still can believe in fir trees.

Herta Müller
(aqui)

26/12/14


Agnes Obel | Aventine, 2013


Agora falarei dos olhos gregos de Ariane,
que não são de Ariane nem são gregos,
desses olhos que se fossem música
seriam a música de água dos oboés,
falarei apenas dos olhos do meu amor,
desses olhos de um azul tão azul
que são mesmo o azul dos olhos de Ariane.


Sophia de Mello Breyner Andresen

25/12/14

Nova Iorque | Rockefeller Center, 1941

Quando a festa se anima e se agitam vagas de amor...

Friedrich Hölderlin

24/12/14

© Francesc Català-Roca | Llegó la Navidad, 1950

23/12/14


© Amy Friend


a minha paz ali está na névoa a recuar

Samuel Beckett

22/12/14

© Ariko Inaoka


Tive hoje, olhando o céu pela janela do meu quarto, a sensação de que ele se me entranhava até à infância. Nunca supus que em mim houvesse uma profundidade capaz de absorver uma tão extensa superfície azul, a qual vertiginosamente refluía por mim dentro, iluminando espaços de cuja existência eu nem sequer desconfiava. O certo é que, ao atingir maior profundidade, a cor se lhe alterou sensivelmente, embora a natureza dessa mutação não fosse propriamente de ordem física. Foi como se ao chegar a esse ponto, tendo a bomba da memória começado a trabalhar, a luz que sobre ele este mecanismo vomitava lhe alterasse a própria consciência e furiosamente arrancasse ao coração da terra aquele que, a um ritmo idêntico, eu sentia acelerar-se-me entre os ossos.

Luís Miguel Nava, in Poesia Completa 1979-1994

19/12/14

18/12/14

© Kelly Nicolaisen

Nós vivemos
                      unidos
                                 num juramento de ferro.

Vladimir Mayakovsky

17/12/14

© Bernardo Martins, 2014


Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca.

Mário Cesariny

13/12/14

© Maria | Casa Museu de Vilar, Dez. 2014


Nasci numa casa com gaiolas brancas
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros

O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas...


Tiago Patrício, in O Livro das Aves

12/12/14

© Maria | Guimarães, Dez. 2014


"O dia morrendo em noite é um grande mistério da Natureza."

Clarice Lispector, in A Descoberta do Mundo - crónicas

10/12/14


Connan Mockasin | Caramel, 2013 


Alguém dizia que a música terminara sem que ninguém tivesse reparado.
Até que alguém disse algo relacionado com os planetas, com as estrelas,
com a sua pequenez, como estão longe.

Mark Strand

09/12/14

A vida torna-se no que o amor junta.


© Wim Wenders | Wings of Desire, 1987


A solidão significa:«Sou realmente um ser completo». Posso dizê-lo porque hoje sou finalmente solitária. 

Marion, in Wings Of Desire

06/12/14

© Bernardo Martins, 2014

Foi viver para a Áustria, numa zona muito isolada. Porque procurou esse isolamento?
Foi natural. Quer dizer: o isolamento está ligado a um certo desgosto do mundo. Não sou religioso, se fosse teria ido para um convento, possivelmente. Há em mim essa necessidade. O encontro comigo mesmo dá-se no silêncio, e é mesmo um silêncio absoluto. Há uns tempos, durante uma semana, tive o cuidado de medir o tempo que passava em conversa com os outros e fiquei espantado. Verifiquei que era ainda menos que aquilo que imaginava.

O desgosto na sua relação com os outros estava ligado a uma desilusão daquilo que o Rui esperava, daquilo que em si criou e que por isso esperava encontrar no outro?
É difícil dizer. É tudo. Mas em criança eu já era assim. Tinha fases em que era extremamente endiabrado e depois tinha fases em que me isolava absolutamente. Era capaz de passar horas na praia a olhar para o mar sem ninguém por perto. Oscilava entre uma situação e outra. Hoje tenho esta necessidade absoluta de silêncio, e por isso não gosto de estar em Portugal.

Mas pela relação com os portugueses?
Não. Para já, não tenho nada desse sentimento do patriota. Não gosto dos ícones da pátria, não gosto de pátrias, fronteiras e hinos. Mas o problema é o ruído. Estou sempre a ouvir gente. Estamos aqui e estamos a ouvir gente. As casas parecem-me todas de papel. Os ruídos atravessam as casas. Não há um minuto de silêncio. Chego a Viena e sinto-me em casa, tenho uma espécie de felicidade do reencontro. Não é com a casa, é com o silêncio.

Isso serena-o ou liberta-o para pensar?
Permite-me ficar mais próximo de mim. É o silêncio dos ruídos naturais. Tudo é natural, é evidente, mas eu gosto do ruído do vento, da chuva, da neve a bater. Gosto das gralhas, gosto de ouvir esses ruídos. É um lugar-comum, mas são esses ruídos o grande silêncio. Isso aqui não tenho. E depois há pouca sobriedade nas palavras, as pessoas falam desesperadamente.

Há a sensação de que o estado de solidão é um estado dramático em que uma pessoa cai quando fracassa e então esse desespero pode surgir por as pessoas sentirem que devem falar, que se uma pessoa estiver bem é comunicadora?
Exacto, é isso. E não interessa o que a pessoa diz, é preciso é dizer. É a fala contínua. E quem não diz continuamente é suspeito. Quantas vezes se ouve: "Porque é que estás calado?" Eu não preciso de justificar-me por estar a falar, mas preciso de justificar porque estou calado. "Estás tão calado!" E eu digo sempre: "E tu, porque é que estás a falar tanto?" Aquilo que se pretende é que o discurso da pessoa seja uma confissão contínua. "Fala porque ao falar mostras-te. Porque ao falar tornas-te claro. Não sejas obscuro."

Entrevista de Diogo Vaz Pinto, aqui

04/12/14

John Cage


The sound experience which I perfer to all others is the experience of silence




John Cage | 4'33"

03/12/14


Get Well Soon | Greatest Hits, 2014



Talvez seja a idade que surge, traidora, e nos ameaça com o pior. Em nós já não temos música suficiente para fazer dançar a vida, ora aí está. Toda a juventude foi morrer no fim do mundo, num silêncio de verdade. Para onde havemos de sair, pergunto eu, se em nós já não há uma suficiente soma de delírio? A verdade é uma agonia sem fim. A verdade deste mundo é a morte. Temos de escolher: mentir ou morrer. Eu cá nunca pude matar-me. 

Louis-Ferdinand Céline, in Viagem ao Fim da Noite

02/12/14

© Bernardo Martins, 2014


Quando saí, ofuscou-me
O limpo reflexo sobre coisas e rostos...

Anna Akhmatova

01/12/14

Então vem, vamos juntos os dois,

© Ferdinando Scianna

Vem comigo por certas ruas semi-desertas
Que são refúgio de vozes murmuradas...

T.S.Eliot