31/03/13

© Herbert Tobias, 1956

Com que palavras ou que lábios
é possível estar assim tão perto do fogo,
e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
tão sem peso por cima dos pensamentos?

Pode bem acontecer que exista tudo e isto também,
e não só uma voz de ninguém.
Onde, porém? Em que lugares reais,
tão perto que as palavras são de mais?

Agora os deuses partiram,
e estamos, se possível, ainda mais sós,
sem forma e vazios, inocentes de nós,
como diremos ainda margens e como diremos rios?


Manuel António Pina

30/03/13

© Francesc Català-Roca 
© Francesc Català-Roca 
© Francesc Català-Roca 
© Francesc Català-Roca 

"As suas imagens povoam a nossa memória como ícones do passado. Ao contemplá-las, as nossas próprias recordações são revividas com nitidez. É a imbatível essência da fotografia documental. A excelência de reunir a verdade e a beleza em duas dimensões. O legado de Francesc Català-Roca." Chema Conesa

[aqui até 7 de Abril]
 Ryszard Kapuscinski

O Poeta da Reportagem


"Creio que para fazer bom jornalismo devemos ser, antes de mais, homens bons ou mulheres boas: seres humanos bons. Pessoas más não podem ser bons jornalistas. Se formos boas pessoas podemos tentar entender os outros, as suas intenções, a sua fé, os seus interesses, as suas dificuldades, as suas tragédias. E, tornamo-nos, desde o primeiro momento, parte do seu destino."

Ryszard Kapuscinski, in Os Cínicos não servem para este ofício - conversas sobre o bom jornalismo

29/03/13

Mário Cesariny
1923 - 2006


Carta a Mário Cesariny no dia da sua morte


Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste; talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não 
te diga respeito, e seja assunto nosso, vivo.

Algo, de facto, deve ter acontecido,
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume, quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano.

Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.

Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disso de repente,
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.

Manuel António Pina 

28/03/13

© Sofia Morais | Shangai, 2011


"É no momento que encerra a beleza de um gesto
que se prolonga a vida -
...
O tempo não se mexe.
A vida, por um instante, é enorme."

Maria do Rosário Pedreira
© Jorge F. Marques 


"São aranhas. Transfiguradas em formigas. Aquelas de Dalí, que aprendi a amar. Julgava que tinha já fechado a série, mas apercebo-me que continuarei a reproduzir o mundo que vejo. É o que imitamos. Vezes e vezes sem conta." 

Jorge F. Marques

27/03/13

© Antanas Sutkus


"À medida que eu crio a minha poesia, que raciocínio sobre a arte, a sociedade... eu estou me reinventando, respondendo na medida do possível às questões que a vida me coloca. (...) Eu necessito da poesia, necessito da arte, necessito de estar discutindo estas coisas, pensando nestas coisas porque dá transcendência à vida. Eu não tenho dúvida alguma que a arte é necessária porque a vida não é suficiente. Por que senão qual é a necessidade de inventar a arte?! Na verdade a necessidade é essa! As pessoas necessitam dela por mais que aconteça coisa no mundo a arte sobrevive, de acordo com o momento... A verdade é que o Homem é um ser cultural. A essência dele é a cultura e os valores. Isso é o que ele é. Ele é os valores porque sem valores não sou nada. Por isso o Outro é o sentido da vida. O Outro tem de me reconhecer... Para mim o sentido é esse. Agora, porquê isso existe? Não sei... Não tenho resposta para isso. (...)" Ferreira Gullar

[aqui]
© Tamsin Swait


“I don’t believe in anything, I do believe in you.”

Frederick Seidel
© Daniel Mordzinski | Gonçalo M. Tavares


Pedro Mexia: É talvez o único assumido "escritor de ideias" da sua geração. Diria que isso tem a ver sobretudo com a sua personalidade ou mais com as suas leituras?
Gonçalo M. Tavares: É impossível distinguir personalidade e leituras, ou personalidade e experiências. E neste particular, é claro que as leituras são uma experiência muito importante. Detesto a ideia de que a leitura não seja uma experiência de vida. Como se saíssemos da vida para ler um livro e, depois da leitura, voltássemos desse sítio obscuro, de novo para a vida. Como se o acto de leitura fosse realizado num gabinete fechado. Acho que todos sabemos que não é assim. Há livros, e o conjunto de livros que se leu ainda tornam isto mais intenso, que mudam radicalmente a personalidade. É evidente também que há experiências de vida, biográficas, com uma dimensão decisiva no meu percurso - e no percurso de todos. Sobre isto guardo um certo pudor. Pode parecer estranho, pois tenho a imagem de alguém muito cerebral, mas escrevo instintivamente. Quando as coisas correm bem escrevo sem pensar em nada. Nunca penso antes de escrever. Tento que o pensamento coincida exactamente com o acto de escrita - não estão separados no tempo. Nunca planeio ou projecto. Quando começo um livro não sei que personagens vão existir, não sei o que lhes vai acontecer. Se já sei o que vou escrever, não escrevo. A minha escrita é claramente para mim um acto de investigação, tentar descobrir o que não sei.

26/03/13

© Jacques Henri Lartigue

Toca-me onde me dói e verás
uma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca
adivinhada de um mistério. Esta

é a tua vez de o desvendares -
paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez. Toca-me

por isso devagar, não me lembro
da primavera que fez nascer a
doença sobre a ferida, não sinto
o recorte da cicatriz que o tempo

pousou nela. Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem

cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido

de uma aldeia. Não me adivinhes -
lá, onde me doer, vou recordar-me

Maria do Rosário Pedreira
© Bruce Weber | Balthus e Setsuko, 1997 


"Perder uma coisa é muito triste. Pode supor-se que está mal, que se parte nalgum sítio, que acaba por se degradar. Mas perder um gato: Não! isso não é permitido. Nunca ninguém perdeu um gato. Poder-se-á perder um gato, uma coisa viva, um ser vivo, uma vida? Mas perder uma vida: é a morte!

Pois bem, é a morte.

Encontrar. Perder. Será que o leitor reflectiu bem sobre o que é a perda? Não é apenas a negação desse generoso instante que vem preencher uma espera de que nem o leitor suspeitava. Porque entre esse instante e a perda há sempre aquilo a que se chama - muito desajeitadamente, concordo - a posse.
Ora, a perda, por mais cruel que seja, não pode nada contra a posse, completa-a, se assim quiserem; afirma-a; no fundo, é apenas uma segunda aquisição, completamente interior desta vez e muito mais intensa.
De resto, sentiu-a, Baltusz; já não vendo Mistou, começou a vê-lo ainda mais."

Rainer Maria Rilke, in Mitsou - quarenta desenhos de Balthus 
© Daniel Blaufuks | Granta Portugal

25/03/13

© Jillian Edelstein | Julian Barnes e Pat Kavanagh


“Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes. E o mundo muda…”
Ernesto Sampaio e Fernanda Alves

24/03/13

© Henri Cartier-Bresson | Martine Franck, 1967


Não tenho planos, nem promessas, nem 
filhos que nos convidem para almoços 
de domingo - a minha ideia de família
resume-se a um retrato velho preso numa
gaveta; e do amor possível sei tão-só

o que li nos romances que me salvaram
da desordem quando o meu tempo
andava de feria em cicatriz. Mas guardo
ainda muitos por estrear para essa estante

que ergueste no corredor como uma casa
nova. E trago portas abertas no coração:

se ainda não sabias, és muito bem-vindo.

Maria do Rosário Pedreira

23/03/13

Balthus | Therese Dreaming,1938

"Quem é que conhece os gatos? - Dar-se-á, por exemplo, o caso do leitor pretender conhecê-los? Confesso que para mim, a sua existência nunca foi mais do que uma hipótese razoavelmente arriscada.

Para que os animais pertençam ao nosso mundo têm, é claro, de entrar um pouco nele. É preciso que concordem, por menos que seja, com o nosso modo de viver, que o tolerem; caso contrário, avaliarão, hostis ou receosos, a distância que os separa de nós e será esse o seu modo de relação.
...
Mas qual é a atitude dos gatos? - Os gatos são gatos, simplesmente, e o seu mundo é o mundo dos gatos do princípio ao fim. Eles olham-nos, dirão os leitores! Mas poderemos alguma vez saber se realmente se dignam alojar, por um instante, no fundo da sua retina, a nossa fútil imagem? Talvez nos oponham apenas, ao fixarem-nos, uma recusa mágica com as suas pupilas para sempre completas?
...
Terá o homem alguma vez sido seu contemporâneo? - Duvido. E asseguro-vos que, por vezes, ao crepúsculo, o gato do vizinho salta através do meu corpo, ignorando-me, ou para provar às coisas espantadas que eu não existo de modo nenhum."

Rainer Maria Rilke, in Mitsou - quarenta desenhos de Balthus 
© Martine Franck | Balthus, 1999

"Eis a história. O artista contou-a melhor do que eu.

O que falta ainda dizer? Pouco.

Encontrar uma coisa é sempre agradável; um momento antes e ela ainda não estava lá. Mas encontrar um gato: é extraordinário! Porque este gato, o leitor estará certamente de acordo, não entra completamente na vossa vida, como aconteceria, por exemplo, com um brinquedo qualquer; mesmo pertencendo-vos agora, permanece um pouco de fora, e isso faz sempre:

a vida + um gato

o que dá, asseguro-vos, uma soma enorme."

Rainer Maria Rilke, in Mitsou - quarenta desenhos de Balthus 

22/03/13

© Lars von Trier

"O berço baloiça por cima de um abismo e o senso comum diz-nos que a nossa vida mais não é do que uma brecha de luz entre duas eternidades de treva. Apesar de gémeas idênticas, vulgar será que o homem olhe com maior calma o abismo pré-natal do que o outro para onde se dirige (a qualquer coisa como quatro mil e quinhentas batidas de coração por hora). Sei no entanto de um jovem cronofóbo que entrou numa espécie de pânico quando viu pela primeira vez cenas filmadas em sua casa, semanas antes de ter nascido. Viu um mundo praticamente igual - a mesma casa, as mesmas pessoas - mas reparou que ele próprio ainda lá não estava nem havia quem lamentasse a sua ausência. De relance viu a mãe a dizer adeus na janela do andar de cima, e esse estranho gesto perturbou-o como se fora uma misteriosa despedida. Porém, o que mais susto lhe meteu foi a imagem de um carro de bebé com ar pretensioso, com o ar abusivo de um esquife, novinho em folha e parado no vestíbulo; também ele vazio, como se os seus próprios ossos, nessa corrida inversa de factos, se tivessem desintegrado."

Vladimir Nabokov, in Na outra margem da memória

© Nicoletta Branco


- E o alarido feito em volta do seu livro Canções? Agradou-lhe?
- Não sei.
- Disseram muita coisa...
- Sim, chamaram-me tudo - revolucionário, dissolvente perigoso, demolidor da moral, e outros palavrões sonoros que me causam tonturas... E, afinal, nunca se fala do que se sabe; falam sempre do que pensam. Quando alguém só por suposições afirma qualquer coisa má de nós, é porque tem a consciência de que, posto no mesmo caso, nele seria uma verdade o que em nós é aparência. Ah, se a nova geração, se os meus contemporâneos, soubessem ler com inteligência e  com minúcia as minhas canções de Renascença, receberiam grandes ensinamentos de beleza e muita coragem, creia!...
...
- E qual é o seu programa de arte?
- O meu programa de arte tracei-o firmemente, mas, por enquanto, não digo; não quero assustar ou desorientar os meus contemporâneos... Dir-lhe-ei apenas que tenho a paixão da beleza..."

in Uma entrevista com António Botto*

* é provável que esta entrevista tenha sido redigida, para além de dactilografada, por Fernando Pessoa

21/03/13



© Jacques Henri Lartigue, 1932


"Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará para sempre. Poesia e homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por todo o mundo, embora a História pouco se tenha disso apercebido. Hoje sabemos que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu silêncio. Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras vai eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo..." 
 
Manuel Hermínio Monteiro, in Rosa do Mundo: 2001 Poemas para o Futuro  



I once loved. 
I thought I would be loved.
But I wasn't loved.
I wasn't loved for the only reason that matters-
It was not to be.
I unbuttoned my white gloves and stripped each off.
I set aside my gold-knobbed cane. 
I picked up this pen...
And thought how many other men
Had smelled the rose in the bud vase
And lifted a fountain pen, 
And lifted a mountain...
And put the shotgun in their mouth, 
And noticed that their hunting dog was pointing. 

Frederick Seidel
© Daniel Mordzinski | André Gorz e Dorine


Somos as pontas de uma mesma fita
e acordamos atados de manhã num
nó que ainda demora a desfazer. Ao

levantar-me, arrasto-te comigo, mas
no resto da vida é ao contrário - e eu
nem me importo que me leves atrás
se o laço for contigo, e apertado. Mas,

quando calha, é mais comprida a fita; e
eu - inquiéta, sem saber onde estás - fico
a contar os metros, aflita, e a magicar em 
franzido se embaraços. Eis se não quando

tu pareces amarrotado de cansaço e nos
meus braços logo te desfias. Vencido
o susto, passa-se a fita a ferro - para
se enredar de novo num nó cego que 
de manhã vai ser um custo desatar.

Maria do Rosário Pedreira
Teatro Maria Matos


"Esta peça começou a formar-se após uma série de visitas que fiz a um amigo da minha geração, que estava internado no Hospital de Oncologia, em Lisboa. O processo de incapacitação do seu corpo fê-lo regredir até ficar com a aparência de um bebé. Essa imagem completou-se na última vez em que o vi. Usava apenas uma fralda.

Erguida quando eu era ainda uma criança, a Av. dos Bons Amigos tornou-se na principal artéria da vila onde os meus pais vivem desde a infância, e onde eu nasci e cresci. Essa vila tornou-se entretanto num dos dormitórios mais assustadores nos subúrbios de Lisboa e na décima maior cidade do país.

Em Av. dos Bons Amigos, convido os espectadores dispostos em semi-círculo a experimentarem “uma hora psicológica” sem recorrerem ao relógio – será um tempo ligeiro, nem rápido, nem saturante. Fácil de suportar e difícil de digerir.

Através de anedotas, memórias pessoais, e da história recente do país, incorro numa excursão a temas que nos são comuns, mas que nos habituámos a esconder: o isolamento, as inibições a que sujeitamos o corpo, a vergonha daquilo que nos menoriza perante o que identificamos como normalidade, a relação de medo com o desconhecido. Dor, doença e pânico da morte. A dificuldade em assumir a relevância pública dos nossos pavores privados.

Com Av. dos Bons Amigos dou continuidade a uma série de “solos acompanhados” que iniciei em 2010, com Dentro das palavras, em que exploro a autobiografia e a memória como ferramentas para construir ficções em redor dessa noção tão elementar sobre o que é preciso passar até sermos crescidos. É o equivalente cénico ao que na literatura se chama Bildungsroman (romance de formação).

O termo “solo acompanhado” designa a relação com os espectadores. São eles os meus interlocutores. Condicionam o meu discurso, a razão de contar determinada história, assim como o modo de transmiti-la. Como um público é feito de individualidades, trata-se de adequar o estado de espírito que se instala. O ambiente pode oscilar entre um serão animado por um contador de histórias e uma sessão de agitação política (duas formas antiquadas de passar o tempo).

Com Av. dos Bons Amigos pretendo convocar o espetador para um espaço intermédio entre o que é público e o que é privado, e aí trilhar um caminho diferente para o sentido de pertença e de responsabilidade coletiva."

Rui Catalão

20/03/13

© Annie Leibovitz, 1997

"Resta falar-lhe de mim. Fiz ontem cinco projectos definitivos e completos, mas já não me lembro de quê nem para quê. Os meus poemas recentes têm todos acabado do princípio para o meio - circunstância que se dá também com os meus poemas não recentes. Segundo um velho plano meu, devo estar a partir para Inglaterra antes de ontem, para o que estou quase decidido a resolver-me a preparar tudo. 
...
Pelas considerações acima feitas terá o António [Botto] verificado que está em Lisboa o senhor engenheiro Álvaro de Campos. Ele saúda-o em girassol e cisne, e a essas saudações, assim serenas e hieráticas, junto as minhas - jardim velho para o girassol, lago triste para o cisne.

... E a sério, e sem paisagem, um grande abraço amigo do
Fernando

Lisboa, 8 de Março 1927"
© David Maisel 

"Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
...
Não podendo buscar consolação espiritual na religião, força é que a busquem na vida. Como, porém, encontrá-la na vida, se a vida é imperfeita, e o imperfeito, por sua natureza, não pode construir ideal, porque o ideal é perfeição? Aperfeiçoando a vida, para que a sua imperfeição lhes doa menos. Aperfeiçoando-a como? Objectivamente não pode ser, porque a acção humana sobre o universo é menos que limitadíssima. É portanto só subjectivamente que se pode aperfeiçoá-la, aperfeiçoando o conceito e o sentimento dela. A consolação e o repouso, no que podem atingir-se, só a Arte, portanto, os pode dar. A Arte é, com efeito, o aperfeiçoamento subjectivo da vida."

Fernando Pessoa, in "António Botto e o ideal estético em Portugal", 1922
© Fred Herzog, 1968

Alfred Mac Adam: Television is being criticized as the ruination of twentieth-century life, but you have the unique opinion that television will be good for poetry as a return to the oral tradition.

Octavio Paz: Poetry existed before writing. Essentially, it is a verbal art, that enters us not only through our eyes and understanding but through our ears as well. Poetry is something spoken and heard. It's also something we see and write. In that we see the importance in the Oriental and Asian traditions of calligraphy. In the West, in modern times, typography has also been important—the maximum example in this would be Mallarmé. In television, the aural aspect of poetry can join with the visual and with the idea of movement—something books don't have. Let me explain: this is a barely explored possibility. So I'm not saying television will mean poetry's return to an oral tradition but that it could be the beginning of a tradition in which writing, sound, and images will unite. Poetry always uses all the means of communication the age offers it: musical instruments, printing, radio, records. Why shouldn't it try television? We've got to take a chance.

Octavio Paz, in The Art of Poetry No. 42

19/03/13

© Jesper Just | Bliss and Heaven, 2005

"Se nos acusarem de hipócritas, deixá-los acusar; mentem. E a mentira só aos mentirosos prejudica. Se nos amesquinharem a fama e cercearem a glória, desviando de nós  as multidões, que não pensam e vão para onde as levam, melhor. Os que nos querem, os que nos amam, os que nos entendem, ficarão connosco. Os outros, deixando-nos, prestam-nos favor. Lesam-nos somente na vaidade, que é vício ruim, grama que custa a deitar fora. Portanto, melhor. E se nos insultarem e injuriarem, melhor. E se nos perseguirem, melhor. E se nos apedrejarem e ensanguentarem, melhor ainda, muito melhor. Quando a alma, ao termo de mil hesitações e desenganos, cravou raízes para sempre num ideal de amor e verdade, podem calcá-la e torturá-la, podem ferir e ensanguentar, que quanto mais a calcam, mais ela penetra no ideal que busca, mais ela se entranha no seio ardente que deseja."

António Botto, in Canções
© Fred Herzog, 1972

"Tenho um espinho cravado no coração, um espinho que não pára de me causar dor, enquanto me entrego ao trabalho diário, e que me parece nem sequer me dar tréguas quando durmo. Mal desperto, de manhã, vejo que o céu perdeu o fulgor. Que se passa? Que aconteceu?

O meu espírito tornou-se tão sensitivo que até a minha vida passada, que se me apresentara sob o disfarce da felicidade, parece arrancar-me o coração, com a sua falsidade. A vergonha e a mágoa que se aproximam cada vez mais vão perdendo o ar secreto, velado, e perdem-no principalmente porque tentam ocultar o rosto. O meu coração é todo olhos. Tenho de ver as coisas que não deveriam ser vistas, as coisas que não quero ver." 

Rabindranath Tagore, in A casa e o mundo

18/03/13


© Nicholas e Sheila Pye 

I remember flying back from Montauk.
I was flying the plane.
The instructor asked me, “Notice anything?”
Yes. The plane was absolutely stuck —
Speechless — ecstatically still.
The headwinds were holding us in place in space.

Frederick Seidel

17/03/13

© Gottfried HeInwein 

"Imaginei muitas vezes que os olhares
sobrevivem ao acto de ver
como se fossem hastes,
trajectos medidos, lanças
numa batalha."

Valerio Magrelli 
© Antanas Sutkus


"We cannot reduce our lives to economics. If a society without social justice is not a good society, a society without poetry is a society without dreams, without words, and most importantly, without that bridge between one person and another that poetry is. We are different from the other animals because we can talk, and the supreme form of language is poetry. If society abolishes poetry it commits spiritual suicide".

Octavio Paz,  in  The art of poetry nº 42
© Andrew Dominik | The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, 2007

"vêem na sua justa medida
a cobardia e o heroísmo
a grandeza e a insignificância
como as exigências
de um dia quotidiano"

...
Tadeusz Różewicz

16/03/13

© Noé Sendas

"A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a nossa própria cara."

Jorge Luís Borges

15/03/13

© Antonin Kratochvil / The New York Times: Frederick Seidel, 2009

"Sometimes you finish the poem, and that last piece clicks in place. 
Sometimes the poem is finished with you." 

Frederick Seidel, in The Art of Poetry No. 95