31/05/13

Nick Cave and the Bad Seeds | Push The Sky Away, 2013 

O tempo é o que é. (...) Mas depois entra em palco Nick Cave e os seus Bad Seeds, revolve as suas entranhas, e devolve-nos o nosso mundo: fealdade, demónios, afecto, num vórtice onde não existe passado nem futuro. Apenas presente.
(...)
Nos anos 1980 e 1990 vimos Nick Cave. Mas nunca o vimos como nos últimos anos: enxuto, certeiro, no tempo certo.”
Vítor Belanciano, aqui.

"Nunca mais quero escrever numa língua voraz
porque já sei que não há entendimento"

Herberto Helder, in Servidões
Alexandra Streliski | Pianoscope, 2010





© Fernando, 2010


"Era para ter morrido e afinal renasci."

Tiziano Terzani, in Disse-me um Adivinho
© Daniel Blaufuks | O Ofício de viver, 2010

30/05/13

Thomas Feiner & Ulf Jansson | Bested Bones, 2012



© Daniel Blaufuks | O Ofício de viver, 2010


"mão tão feliz de ter tocado
teu corpo atento ao meu desejo"

Herberto Helder, in Servidões


como Kar-Wai entregou a Chow
e este às ruínas de Angkor Wat,
procura, também tu, um sítio alto
e confia, sem temor, o teu maior segredo
a uma árvore. quando fizer sombra
em tarde estivais, ou te der flores e frutos
para chegares menos sozinho à morte,
o teu segredo virá sentar-se silencioso
contigo, e pensarão juntos uma mão
mais terna para os dedos vorazes da noite.


renata correia botelho, in small song


© Wong Kar-wai | In the mood for love, 2000    
© Clarissa Bonet


"Tudo o que fazemos é marcado pela fragilidade da nossa condição. Somos esta coisa humana, provisória, incerta, inacabada, imperfeita. Mas somos também poeira enamorada. Há em nós alguma coisa de maior. Mesmo no erro. Beckett dizia: errar, errar mais, errar melhor. No erro podemos encontrar um caminho."


José Tolentino de Mendonça

29/05/13

Sophie Hutchings | Becalmed, 2010
© Daniel Blaufuks | O Ofício de viver, 2010


"do tamanho da mão faço-lhes o poema da minha vida,
                                                       agudo e espesso"

Herberto Helder, in Servidões
 © A Lenglet

Vidro Azul
para 
ouvir

28/05/13

"Mas penso que tudo isto é uma interminável preparação, uma aproximação. Porque o prestígio da poesia é menos ela não acabar nunca do que propriamente começar. É um início perene, nunca uma chegada seja ao que for. E ficamos estendidos nas camas, enfrentando a perturbada imagem da nossa imagem, assim, olhados pelas coisas que olhamos. Aprendemos então certas astúcias, por exemplo: é preciso apanhar a ocasional distracção das coisas, e desaparecer; fugir para o outro lado, onde elas nem suspeitam da nossa consciência; e apanhá-las quando fecham as pálpebras, um momento, rápidas, e rapidamente pô-las sob o nosso senhorio, apanhar as coisas durante a sua fortuita distracção, um interregno, um instante oblíquo, e enriquecer e  intoxicar a vida com essas misteriosas coisas roubadas." Herberto Helder, in Servidões

© Daniel Blaufuks | O Ofício de viver, 2010
Rachel Grimes | Book Of Leaves For Solo Piano, 2009

Every morning, birds




«Nunca falo sobre as minhas tentações» 
Margaret Atwood

27/05/13

© Ramon Casas i Carbó

"O que se passa na nossa cabeça, na nossa alma, quando estamos a ler um romance?"

Orhan Pamuk, in O romancista ingénuo e o sentimental


"Como esperar aquilo que em breve nos trará o espanto?"


Gonçalo M. Tavares 
in Breves notas sobre as ligações (Llansol, Molder e Zambrano)*

* "Este livro é obviamente dedicado a María Zambrano, Maria filomena Molder e Mara Gabriela Llansol, três escritoras cuja leitura exige de nós uma resposta, um movimento pararlelo, uma deslocação."
Mick Harvey: "I wanted to do something substantial"


How Would I Leave You

26/05/13

© Maria | Feira do Livro - Lisboa 2013


"O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.

Jorge Luís Borges

25/05/13

© Ryan McGinley

 imenso azul
e palavras a despirem-se na boca.

Sándor Csoóri
Granta I | Maio, 2013

"A vida é um tédio quando não há histórias para ouvir nem nada para ver. Quando eu era miúdo, se não estávamos à janela a observar a rua e os transeuntes ou nas casas do prédio em frente, ouvíamos o rádio, em cima do qual um pequeno cão de porcelana dormia perpetuamente." 

Orhan Pamuk, in Granta I 
The Antlers |  Hospice: Bear, 2009

24/05/13

© Sena da Silva 

Sena da Silva, 
o fotógrafo indisciplinado
Museu da Inocência | Istambul
Museu da Inocência | Istambul

"O luar prateado que entrava pelas janelas do meu museu - que por vezes parecia que jamais seria concluído - conferia ao edifício, e ao seu centro vazio, um aspecto assustadoramente desocupado, como se estivesse em ligação com o espaço infinito. Toda a minha colecção, reunida ao longo de trinta anos, estava oculta nas sombras dos andares de baixo, invadindo o vazio da mesma forma que, numa sala de teatro, um balcão se projecta no espaço."  Orhan Pamuk, in O Museu da Inocência


"Todo o resto do seu belo ser - os seus olhos tristes; os seus miraculosos lábios; a sua grande língua rosada; as faces aveludadas; os ombros bem delineados; a pele sedosa da sua garganta, do peito, do pescoço e do ventre; as pernas longas; os pés delicados, cuja visão sempre me fizera sorrir; os seus esguios braços cor de mel, cheios de sinais e com uma penugem acastanhada; a curva das suas nádegas; e a sua alma, que sempre me atraíra a si - permaneceu intacto." 

Orhan Pamuk, in O Museu da Inocência - editorial Presença, 2010

Ontem foi assim




NÃO: Não quero nada. 
Já disse que não quero nada. 

Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer. 

Não me tragam estéticas! 
Não me falem em moral! 

Tirem-me daqui a metafísica! 
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas 
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — 
Das ciências, das artes, da civilização moderna! 

Que mal fiz eu aos deuses todos? 

Se têm a verdade, guardem-na! 

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. 
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. 
Com todo o direito a sê-lo, ouviram? 

Não me macem, por amor de Deus! 

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? 
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? 
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. 
Assim, como sou, tenham paciência! 
Vão para o diabo sem mim, 
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! 
Para que havemos de ir juntos? 

Não me peguem no braço! 
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. 
Já disse que sou sozinho! 
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! 

Ó céu azul — o mesmo da minha infância — 
Eterna verdade vazia e perfeita! 
Ó macio Tejo ancestral e mudo, 
Pequena verdade onde o céu se reflete! 
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! 
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. 

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... 
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! 



*

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irresponsavelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenha calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenha agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe . todos eles príncipes na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que, contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos . mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Poemas de Álvaro de Campos ditos por Pedro Mexia, aqui.
e assim.
Mick Harvey | Sketches from the Book of the Dead, 2011
Mick Harvey | Four (Acts of Love), 2013

23/05/13

© Assírio e Alvim

"(com pouco me contento),
de livros e silêncio me alimento"

Manuel António Pina



Feira do Livro
 de 23 de Maio a 10 de Junho
 em Lisboa
© Eduardo Gageiro | Sophia Mello Breyner Andresen 

O segredo do escritor não é a inspiração, visto que nunca é claro de onde isso vem; é a sua teimosia, a sua paciência. Parece-me que aquela maravilhosa expressão turca, «escavar um poço com uma agulha», foi inventada a pensar nos escritores.
...
Hoje, tantos anos depois, sei que tal descontentamento é a característica básica que faz de alguém escritor. Para nos tornarmos escritores, não bastam paciência e a labuta, temos primeiro de sentir o desejo de escapar às multidões, à companhia dos outros, a tudo o que faz parte da vida normal e diária, e fecharmo-nos num quarto. Desejamos ter paciência e esperança para criarmos um mundo vasto na nossa escrita. Mas o desejo de nos fecharmos num quarto é o que nos leva a agir.
...
Mas quando nos isolamos, depressa descobrimos que não estamos tão sós como pensávamos. Temos a companhia das palavras dos que nos antecederam, das histórias dos outros, dos livros dos outros, das palavras dos outros, daquilo que chamamos tradição. Acredito que a literatura é o mais valioso tesouro escondido que a Humanidade juntou durante a sua busca de autoconhecimento.

Orhan Pamuk, in Outras cores - ensaios sobre a vida, a arte, os livros e as cidades
© Tinta da China

Eu sou todos os livros que li, todas as pessoas que conheci, todos os lugares que visitei, todas as pessoas que amei”.  

Jorge Luís Borges


Feira do Livro
 de 23 de Maio a 10 de Junho
 em Lisboa

22/05/13



até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa


Herberto Helder



"A primeira impressão que Servidões provoca em quem acabou de ler o livro talvez se deixe dizer melhor numa expressão inglesa: he did it again. Mais uma vez, depois de a energia e a capacidade de inovação de A Faca Não Corta o Fogo terem assombrado os que não julgavam possível uma tal voltagem poética num autor de 80 anos, Herberto Helder repete o milagre. 

(...) 
Embora a proximidade da morte seja um tópico recorrente em Servidões, nem há aqui melancolia alguma, nem o corpo que se lê nestes poemas dá grandes sinais de decadência física. Mas a verdade é que nenhum corpo real, tivesse ele 30 ou 80 anos, pôde alguma vez plausivelmente corresponder à energia sexual desta escrita. O que é realmente digno de assombro não é tanto isso, é um cérebro de 82 anos ser capaz desta intensidade criativa." Luís Miguel Queirós, aqui.
© DesignTAXI

"Na infância já é possível entrever quem, de entre os alunos de uma turma, se afigura mais criativo, seja pelos desenhos que se distinguem dos que são clássicos entre crianças, seja através de redacções imaginativas, tiradas intempestivas ou até perguntas formuladas do avesso. Uma amiga enviou-me há uns tempos por e-mail um conjunto de definições que um grupo de crianças avançou – e é, de facto, notável como já é possível, por ali, encontrar uma veia poética ou uma bela dose de criatividade. Para mim, a melhor era de longe a definição de «rede»: «Uma porção de buracos amarrados por um cordel.» Mas também me deliciei quando um rapazinho disse que um relâmpago era «um barulho rabiscando o céu» e outro classificou o calcanhar como «o queixo do pé». À pergunta «O que é um palhaço?», uma menina respondeu que era «um homem todo pintado de piadas». Outra definiu vento como «ar cheio de pressa». No campo dos animais, uma criança disse que cobra era «um bicho que só tinha rabo» e, com imensa propriedade, outra avançou que uma avestruz era «a girafa dos passarinhos». Enfim, vamos ver se, daqui por uns anitos, mantêm a inventividade ou se deixam estragar pelo caminho... Pode ser que algum deles se torne um original escritor."

Maria do Rosário Pedreira, in Horas extraordinárias
© Yamamoto Masao

Vidro Azul 
para 
ouvir
© Nelson Garrido |  Richard Zimler e Alexandre Quintanilha

"Estávamos a falar das razões pelas quais era possível manter uma relação durante tanto tempo e só queria acrescentar que o Alexandre é o meu melhor amigo. Não posso imaginar viver 34 anos com uma pessoa que não fosse o meu mais profundo e mais importante amigo. Adoro passar dias inteiros com ele. Preciso de passar muito tempo sozinho, mas posso passar esse tempo com ele. Eu sozinho ou eu com ele é a mesma coisa. (...) Não há nada que não lhe possa dizer, não sinto qualquer limitação." 

Richard Zimler, in The Man I Love - entrevista de Anabela Mota Ribeiro, aqui.

"Fernando Pessoa é, ainda, o grande “mistério”, o Poeta das máscaras que se desdobra e reinventa, na ânsia de “viver mais”. Familiar e estranho – português e estrangeiro – extático e dinâmico, irónico e desesperado, cínico e ingénuo, cosmopolita e provinciano, solitário e gregário, citadino e “rural”, rebelde e conformista Pessoa personificou a esquizofrenia eterna e os dilemas do “ser português”. Em Poesia ou na labiríntica odisseia de “O Livro do Desassossego”, Pessoa navegou sempre mais além, entre o Cabo e Lisboa, entre o Terreiro do Paço e o Chiado. Quanto de Pessoa existe em nós?" Helena Vasconcelos

Conferência "Os Mistérios de Pessoa" com Pedro Mexia | A cantar e a contar, aqui.

21/05/13

© Michael Wolf | Transparent city
© Michael Wolf | Transparent city
© Michael Wolf | Transparent city

Olhar pela janela

Uma história

Se não houver nada para ver nem histórias para ouvir, a vida pode tornar-se entediante. Quando eu era criança, combatíamos o tédio ouvindo rádio ou olhando pela janela para os apartamentos da vizinhança, ou para as pessoas que passavam em baixo na rua.
(...)
Olha pela janela era um passatempo de tal forma importante que, quando a televisão chegou finalmente à Turquia, as pessoas se comportavam diante dos televisores como faziam antes diante da janela.


Orhan Pamuk, in Outras cores - ensaios sobre a vida, a arte, os livros e as cidades
The National |  Trouble Will Find Me, 2013

I Should Live in Salt
Fireproof
Heavenfaced
This Is The Last Time
Graceless
Slipped
I Need My Girl
 Humiliation
Pink Rabbits
Hard To Find
© Duane Michals

"Partilho integralmente, com Balthus, do seu amor pelas mulheres e do seu prazer aristocrático de desagradar." 

António Barahona, in Maças de espelho

20/05/13

A Granta na estante de Dulce Maria Cardoso
Nathaniel e Louis Kahn


"I think every kid wants to know about their parents. And especially when your parents die when you’re young, he died when I was 11; you’re left with this mystery. So making this film was unraveling a part of that mystery." Nathaniel Kahn
Nathaniel Kahn | My Architect, 2003
© Gabriel Lijtenstein

E na leveza do fundo
Onde os sonhos se cumprem
Juntando-se às vontades
Para realizar um desejo
O seu olhar
E o meu olhar
Como um eco repetindo, sem palavras:
– Mais adentro, mais adentro
Pra lá de tudo
Pra lá do sangue e dos ossos
Mas desperto sempre
E sempre quero estar morto
Para seguir com a minha boca
Enredada nos teus cabelos.

Ramón Sampedro