30/06/15

© Andrea Dezsö


"A minha mãe vai ser operada ao coração daqui a umas semanas e já sei o que é ficar sem mãe e também já sei como a morte do meu pai me vai matando um bocadinho todos os dias na saudade que tenho. Não, não é saudade, que a saudade pressupõe a possibilidade de um reencontro, o que sinto é outra coisa para que não tenho palavras, ainda não tenho palavras, talvez nunca as tenha, mas está bem que seja assim, há coisas que as palavras só atrapalham." 

Dulce Maria Cardoso, in O coração do meu mundo ou o papagaio que gostava de bolo de arroz', aqui.

29/06/15

© Judy Dater

«Não há receitas que se possam dar em casos desses», escreveu Luria [Alexander Romanovich]. «Faça o que a sua ingenuidade ou o seu coração mandarem. Há poucas ou nenhumas esperanças de conseguir qualquer tipo de recuperação da sua memória. Mas um homem é mais do que a memória. Tem sentimentos, vontade, sensibilidade e consciência moral - assuntos acerca dos quais a neuropsicologia não se pode pronunciar. E é aí, para além do reino da psicologia impessoal, que se podem encontrar formas de o tocar e de o mudar. (...) No campo da neuropsicologia há pouco ou nada a fazer, mas no reino do indivíduo pode haver muito a fazer."

Luria citado por Oliver Sacks, in O homem que confundiu a mulher com um chapéu

26/06/15

© Fernando M. | Aldeia da Mata Pequena, Junho de 2015


"O amor entre duas pessoas multiplica-as. Os amantes tornam-se uma multidão. 
(...)
Não há um meio-caminho. A vida torna-se no que o amor junta."

Miguel Esteves Cardoso

25/06/15

© Steven Meisel


O poema é uma substância que remete para as surpresas da física. Um verso avança como se fosse uma coisa com electrões e desassossego. 

Gonçalo M. Tavares, in Breves notas sobre ciência, o medo e as ligações

24/06/15


© Catrine Val


...
queixava-se da falta de vocabulário como se fosse uma pontada nas costas

Rosa Oliveira

23/06/15

© Michelangelo Antonioni


No entanto, é aqui que começa. A primeira palavra só acaba por surgir numa altura em que já nada pode ser explicado, nalgum momento da experiência que desafia todo o sentido. Ver-se reduzido a não dizer nada. Ou então, dizer para si mesmo: é isto que me persegue. E dar-se conta, quase ao mesmo tempo, que é isto que ele persegue.

Paul Auster, in Inventar a solidão

22/06/15

© Cecil Beaton


Tudo para os olhos.
E nos olhos um ritmo,
uma cor fugitiva,
a sombra duma forma,
um repentino vento
e um naufrágio infinito.

Octavio Paz

19/06/15

© Steven Meisel


"mantermo-nos saudáveis implica a capacidade de sairmos ou de nos esquecermos de nós próprios para nos focarmos noutra coisa, o que nos permite reorganizarmo-nos mais tarde. E quando nos distraímos podemos encontrar aquilo que pretendemos. Caso contrário, a concentração excessiva provoca cansaço, monotonia, já para não falar na ausência de descobertas sobre a vida."

Maria Sequeira Mendes, in Distracção e Aborrecimento, aqui

18/06/15

© Peggy Jarrell Kaplan | Pina Bausch, 1985


estou nesta vida provisória sabendo que não há outra
como o poeta que vinha para a vida
e a quem deram dias
eu vinha para os dias e tive horas
...

Rosa Oliveira

17/06/15


Nick Cave and The Bad Seeds | Murder Ballads, 1996


É quase uma arte isto de ser feliz com músicas tristes.

Inês Maria Meneses
(aqui)

16/06/15

© Judy Dater 


«É preciso começar a perder a memória, nem que sejam só fragmentos, para perceber que ela é a essência da vida. (...) A nossa memória é a nossa coerência, a nossa razão, o nosso sentir, até as nossas acções.» 

Luís Buñuel citado por Oliver Sacks in, O homem que confundiu a mulher com um chapéu

15/06/15

© Eli Craven | Screen Lovers


O que é único e novo ninguém sabe de onde vem. Como esperar aquilo que em breve nos trará o espanto? Impossível esperar o espantoso, dirás.

Gonçalo M. Tavares, in Breves notas sobre ciência, o medo e as ligações

12/06/15

© Constantine Manos


Um dia há vida. Um homem, por exemplo, de perfeita saúde, nem sequer velho, nenhuma história de doenças. Tudo está como sempre esteve, como sempre estará. Ele passa de um dia a outro, não se ocupa de outra coisa senão dos seus assuntos, sonha apenas com a vida que tem à sua frente. E então, de súbito, acontece que há morte. Um homem solta um pequeno suspiro, afunda-se na sua cadeira, e é a morte. O carácter súbito desse facto não deixa o menor espaço ao pensamento, não dá à mente a menor hipótese de procurar uma palavra capaz de a confortar. A única coisa com que ficamos é a morte, o irredutível facto da nossa própria mortalidade.

Paul Auster, in Inventar a solidão

11/06/15

© Catrine Val | Philosophers


"De resto, o escritor faz-se como todas as pessoas se fazem: olhando o mundo como se fosse pela primeira vez e descobrindo no Tempo algo que pode ainda ser estreado."


Mia Couto, in Quando me fiz escritor? - Granta 4

10/06/15

a viagem é a pátria

© Bernardo Martins | Irlanda, 2015


Tem muitas pátrias?
Quanto mais tempo estou, mais estrangeiro me sinto porque vou perdendo a minha coesão, vou perdendo a minha identidade, vou-me dissolvendo, de modo que é melhor não estar muito tempo nos sítios.

Como a palavra que, repetida, se esvai completamente?
É isso, uma palavra repetida perde o sentido, chega a uma altura em que é unicamente um som. Tal como um país repetido vai perdendo todo o sentido. A viagem é exactamente o contrário, a viagem é a pátria, é a grande pátria. Porque é na viagem que eu ganho coesão, não é na paragem; na paragem eu perco. A vida devia ser um durante com muito poucas paragens.

Rui Nunes, aqui.

09/06/15

© Anthony HernandezLandscapes for the Homeless


"O que aconteceu foi a pergunta. O que houve foi a capacidade de interrogar. A habilidade de questionar é o primeiro e o último modo de resistirmos à desumanização. Como dizia o meu filho: e era essa a história."

Mia Couto, in Cartaria - Granta 4

08/06/15



Chromatics | Night Drive, 2007



"Todavia, como todos sabemos, o lugar a que voltamos nunca é o mesmo que tínhamos deixado."

Orhan Pamuk

05/06/15

© Frank Horvat


algures na infância
percebera que é possível resolver um problema
demonstrando que não tem solução
...

Rosa Oliveira

04/06/15

© Eli Craven | Screen Lovers


I like “A Little Lost” because it’s all about kissing. I love kissing. If I could kiss all day, I would. I can’t stop thinking about kissing. I like kissing more than sex because there’s no end to it. You can kiss forever.


Sufjan Stevens, aqui.

© Eli Craven | Screen Lovers

03/06/15



Todd Terje | Johnny and Mary feat. Bryan Ferry



a voz também envelhece... 
consegues ouvir a beleza que há nisso?

02/06/15

© Amigos do Jardim Botânico de Lisboa


Aos Jacarandás de Lisboa

São eles que anunciam o verão. 
Não sei doutra glória, doutro 
paraíso: à sua entrada os jacarandás 
estão em flor, um de cada lado. 
E um sorriso, tranquila morada, 
à minha espera. 
O espaço a toda a roda 
multiplica os seus espelhos, abre 
varandas para o mar. 
É como nos sonhos mais pueris: 
posso voar quase rente 
às nuvens altas – irmão dos pássaros –, 
perder-me no ar.

Eugénio de Andrade

01/06/15


Arthur Russell | Another Thought, 1994


...
De mão dada contigo entro por mim dentro
...


Fernando Assis Pacheco