23/12/11

morreste-me


"morreste-me. Mas a memória guarda-me o teu cheiro, as tuas mãos e o teu sorriso. Estás em nós e eu estou em ti. Eu jamais seria eu sem a tua presença constante na minha vida. Comparência que eu gostaria de poder prolongar. Mantenho a memória acesa com pedaços de imagens que me fazem sorrir.
Deixaste-te ficar em tudo... os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele."


José Luís Peixoto in, morreste-me


22/12/11

esta espécie de coração

© Maria | Alfarrabista no Porto, 2010


É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo 'eu' entre nós e nós?

Manuel António Pina

Dir-se-ia antes uma casa...

© Nuri Bilge Ceylan | Returning Home, Ardahan, 2004


É um mundo pequeno,
habitado por animais pequenos
- a dúvida, a possibilidade da morte -
e iluminado pela luz hesitante de

pequenos astros - o rumor dos livros,
os teus passos subindo as escadas,
o gato perseguindo pela sala
o último raio de sol da tarde.

Dir-se-ia antes uma casa...

Manuel António Pina 

20/12/11

I just wanted you to know

Nicolas Winding Refn | Ryan Gosling: Drive, 2011


Driver: I won't keep you long. I have to go somewhere now. I don't think I can come back. I just wanted you to know, just gettin' to be around you, that was the best that ever happened to me.

19/12/11

Era uma vez...

Hanna, 2011 | Joe Wright

«Alguns anos depois, tinham desaparecido todos os vestígios da ferida.»
Ernst Jünger

15/12/11

Beber a vida

© Nuri Bilge Ceylan | series "For My Father", Snowfall, 2007

"Há quem goste de
beber a vida gota a gota ou a jorros;
mas a garrafa é a mesma, não se pode
enchê-la quando se esvazia." 


Eugenio Montale

Falemos de casas

© Nuri Bilge Ceylan | Wooden house in winter, Istanbul, 2004

"Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre o incêndio,


junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza." 

Herberto Helder


14/12/11

Não sei...

Melancholia, 2011 | Lars von Trier

"Não sei se quero descansar, por estar realmente cansada
ou se quero descansar para desistir" Clarice Lispector

ao pé de ti


© Robin Cracknell
"Se fracassei e me sobrar ainda uma hora de vida, recomeçarei; se venci, abrirei a terra para vir deitar-me ao pé de ti." Nikos Kazantzakis

13/12/11

2X2=4

© Shomei Tomatsu. Hateruma Island, Okinawa, 1971

"Há uma frase do Hans Christian Andersen que eu gosto bastante, de uma personagem que diz a certa altura: «Pediram-me para rezar mas eu só me lembrava da tabuada». Nós vivemos muito debaixo do signo da tabuada, ou seja, de certa maneira quando se pede espírito respondem-nos com a tabuada. Quando se pede cultura respondem-nos com a tabuada. Quando alguém pede piedade respondem-nos com 2X2=4. É este mundo do quantitativo que me preocupa..."

Gonçalo M. Tavares

12/12/11

"Não"


Habemus Papam, 2011 | Nanni Moretti

"O que Moretti filma é este pânico, “existencial”, o medo da vida e o medo da morte, a dúvida de um homem velho sobre se, algures, não terá trocado as prioridades (a cena na pastelaria, o prazer simples dos bolos acabados de sair do forno). E que se abeire deste abismo com semelhante equilíbrio entre a gentileza (no olhar sobre tudo e todos, do Vaticano aos cardeais) e a brutalidade (o berro de Piccoli quando o esperam na varanda) é o mais notável cometimento de “Habemus Papam!”, filme sobre uma humanidade que insiste em não ser obliterada pelo estatuto e pelos símbolos. No fim, ganha a humanidade, seca, respeitosa e orgulhosamente: “Habemus Papam!”, grande filme do “não”."  Luís Miguel Oliveira in, Y      

07/12/11

O importante não tem tamanho

© F.M. | Estremoz, Dezembro de 2011

"A calma é tão profunda
e abstracta que a sua fórmula não vem nos livros
e não há movimentos que a desenhem
o importante não tem tamanho para caber na televisão."
 
Gonçalo M. Tavares in, Viagem à Índia

01/12/11

um problema de distribuição

The Seventh Seal, 1957 | Ingmar Bergman

CENA UM
(A Morte vagueando - usa um fato preto de malha no qual os ossos do seus esqueleto são vivamente sugeridos por borrões de tinta branca; e a sua máscara imita cruamente um crânio humano descarnado. Entram lenta e desanimadamente, um figura prodigiosamente barriguda num fato de Pai Natal de um vermelho desbotado e roído pela traça, usando uma máscara com a face familiar do Pai Natal, um velho de barba e bem-disposto)

Morte: - Algum problema, companheiro?
Pai Natal: - Sim.
Morte: - Doente?
Pai Natal: - Angustiado.
Morte: Qual é o problema? Vamos - fala.
Pai Natal: - Tenho tanto para dar; e ninguém quer receber.
Morte: - O meu problema também é de distribuição, só que é ao contrário.


e.e.cummings in, eu:seis inconferências
[Charles Eliot Norton Poetry Lectures]

30/11/11

para ti: tu e eu


"tu e eu não somos pretensiosos. Nunca podemos nascer o suficiente. Somos seres humanos; para quem o nascimento é um mistério supremamente bem-vindo, o mistério de crescer: o mistério que acontece apenas e sempre que somos leais a nós próprios... A vida, para o nós eterno, é agora..." e.e.cummings in, eu:seis inconferências [Charles Eliot Norton Poetry Lectures]

29/11/11

abrir aspas segurança fecha aspas

© Yves Klein, 1960
"Un homme dans l'espace ! Le peintre de l'espace se jette dans le vide !"


"Tal como me calhou a ventura miraculosa de ter um verdadeiro pai e uma verdadeira mãe, e uma casa que a verdade do seu amor tornou alegre, assim - quando estendi os braços para fora deste amor e desta alegria - tive a sorte maravilhosa de tocar e agarrar um mundo insurrecto e lutador; um mundo imprudente, cheio de curiosidade da própria vida; um mundo vívido e violento acolhendo todos os desafios; um mundo digno de ser odiado e adorado e disputado e perdoado: em resumo, um mundo que era um mundo. Este mundo interiormente imortal da minha adolescência recua até até às suas raízes sempre que, hoje em dia, vejo pessoas dotadas de pernas rastejando sobre as suas próprias faces atrás de abrir aspas segurança fecha aspas. «Segurança?» encho-me de espanto «o que é isso? Uma coisa negativa, nãomorta, suspeita e suspeitadora; uma avareza e uma abstenção; a maldade submissa de uma retirada; uma complacência numerável e uma cobardia inumerável. Quem estará "seguro"? Todo e qualquer escravo. Nenhum espírito livre alguma vez sonhou com "segurança" - ou, se o fez, riu-se; e viveu para envergonhar o seu sonho."

e.e.cummings in, eu:seis inconferências
[Charles Eliot Norton Poetry Lectures]

28/11/11

Amavam-se

Restless, 2011 | Gus Van Sant


"pois estes dois seres humanos maravilhosos amavam-se,...
 amavam-se um ao outro mais do que a si próprios -"

e.e.cummings in, eu:seis inconferências
[Charles Eliot Norton Poetry Lectures]

27/11/11

Aldina Duarte

"Cuido dele [do fado] diariamente, quer cantando na casa de fados, quer ouvindo discos, é um amor tão a sério que acumula com a paixão que se reacende” Aldina Duarte

24/11/11

menos do que o inconveniente


"Permitam-me cordialmente avisar, na abertura destas supostas conferências, que não tenho a mais remota intenção de me fazer passar por conferencista. Conferenciar é presumivelmente uma forma de ensino; e presumivelmente um professor é alguém que sabe. Eu nunca soube e continuo a não saber. O que sempre me fascinou não foi ensinar, mas aprender; e garanto-vos que se a aceitação da cadeira Charles Eliot Norton não se tivesse misturado com a expectativa de aprender muito, eu estaria agora noutro lugar. Deixem-me também garantir-vos que me sinto extremamente contente por aqui estar; e que de todo o coração espero que não venham a sentir-se extremamente arrependidos.

Desde o tempo tempo em que muitos de vocês ainda não existiam, tenho andado a aprender e a reaprender, como escritor e como pinto, o significado daquelas máximas imemoriais «o que cura um mato outro» e «quem faz o que deve a mais não é obrigado». Ora - como inconferencista - sou por sorte confrotado com aquele igualmente antigo, mas muito menos austero, dictum «a palavras loucas, orelhas moucas». Pois enquanto um conferencista genuíno tem de obedecer às regras da conveniência mental e vestir as suas idiossincrasias pessoais de generalidades colectivamente aceitáveis, um ignoramus autêntico permanece de todo inconvenientemente livre para falar como lhe apeteça. Esta perspectiva anima-me, porque prezo a liberdade; e nunca esperei que a liberdade fosse menos do que o inconveniente."

e.e.cummings in, eu:seis inconferências
[Charles Eliot Norton Poetry Lectures]

23/11/11

Agora

© Maria | Fernando

(eu que morri estou vivo de novo hoje,
e este é o dia do aniversário do sol;este é o dia
do aniversário da vida e do amor e asas:e da alegre
grandiosa terra ilimitavelmente acontecendo)
(agora os ouvidos dos meus ouvidos acordam e
agora os olhos dos meus olhos estão abertos)


e.e.cummings

22/11/11

Depois



© Sam Taylor-Wood | "Crying Men" series, Tim Roth

 
"Um homem não conhece a sua verdadeira ambição,
até passar por uma tragédia forte,
uma tragédia individual. Só se sabe olhar, depois de se aprender."

Gonçalo M. Tavares


20/11/11

Aldina Duarte


"Desabafo: ninguém poderá dizer de mim a cantar pior do que eu já disse a mim mesma, quando me corre mal. A dor faz parte da criação também pela exposição pública do desastre inevitável. Haja Deus para compensar a má memória de quem nos ouve num mau momento com o prazer de quando corre tudo bem." Aldina Duarte

19/11/11

Nunca


e "o mundo nunca está completo:
faltam pessoas que nos morreram."


Gonçalo M. Tavares

17/11/11

Respira

© Sam Taylor-Wood | "Crying Men" series, Jude Law



"A morte não é para nós natural, deixa-nos perplexos. Mas os asiáticos incluíram-na nas suas religiões como o nada, o verdadeiro ser, a verdadeira força. Aguardam a morte sem ansiedade - já a nossa vida não é concebível sem esta ansiedade, que é o seu verdadeiro elemento. Arrancados à nossa esfera, arrancados às nossas formas famliares de consolo (um rosto que respira, um coração que bate, os cambiantes de uma paisagem amena), temos por fim de nos abandonar aos ventos fortes da montanha, que rasgam e deixam em farrapos as nossas últimas esperanças." Annemarie Schwarzenbach in, Morte na Pérsia












01/08/11

os dois juntos

© Richard Misrach

tenho em mim que havemos sempre de viver
juntos um com o outro
que havemos de selar os nossos destinos
na terra, na água, no ar e no fogo
no fogo que irradias
e que a água vem apagar e não apaga
no ar que nos consome e que nós respiramos os dois juntos




António Gancho

28/07/11

"Do you know..."



Do you know what people did in the old days when they had secrets they didn't want to share? They'd climb a moutain, find a tree, carve a hole in it, whisper the secret into the hole and cover it up with mud. That way, nobody else would ever learn the secret...
He remembers those vanished years
As looking through a dusty window pane. The past is something he could see but not touch
And everything he sees is blurred and indistinct.


in, In The Mood For Love | Wong Kar-Wai

26/07/11

Para ti.

Erwin Blumenfeld | Nude With Shadows | 1951




Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.

Arseni Tarkovsky

12/07/11

havemos de arder juntos


«Não foi sem dificuldades que este livro rompeu através dos interstícios do mundo até chegar às tuas mãos, leitor, para aí, como um deserto a abrir noutro deserto, criar uma irradiação simbólica, magnética, onde o branco do papel e o negro das palavras, essas cores que segundo Borges se odeiam, pudessem fundir-se e converterse nessa outra a que, na enigmática expressão de Sá- Carneiro, a saudade se trava. Como um desses objectos cujo peso, assim que neles pegamos, instantaneamente se divide entre as nossas mãos e a alma, é mesmo de crer que ele esteja já dentro de ti - e algo de mim com ele. Acolhe-o, pois, com benevolência, que, chegada a altura, havemos de arder juntos.» 
Luís Miguel Nava

22/06/11

recomeçar o mundo

© Jindřich Štreit

«Numa época em que todos desertam, dizia a mim mesmo que ao menos aquela mulher seria sólida como a terra, sobre a qual podemos construir ou deitarmo-nos. Teria sido belo recomeçar o mundo com ela numa solidão de náufragos.» Marguerite Yourcenar

20/06/11

Depois, viu-o endireitar o corpo



«Um cavalo passou a galope no cruzamento da rua principal com o caminho de Contla. Ninguém o viu. Todavia, uma mulher que estava à espera nas imediações da aldeia contou que tinha visto o cavalo a correr com as pernas dobradas como se estivesse prestes a cair de bruços. Reconheceu o alazão de Miguel Páramo. E até pensou: «Este animal vai partir o pescoço.» Depois, viu-o endireitar o corpo e, sem abrandar a corrida, caminhar com o pescoço atirado para trás como se viesse assustado por algo que deixara para trás.»
Juan Rulfo

15/06/11

as tuas mãos

© Maria | 2011


'quando voltaste, os teus olhos as tuas mãos eram
chamas a falarem para mim'

José Luís Peixoto

07/06/11

"to eternity"



música | Nick Cave and The Bad Seeds | From Her to Eternity, 1984
imagens | Der Himmel über Berlin | Wim Wenders, 1987

06/06/11

Era uma vez



Six Suites for Unaccompanied Cello, Suite No. 1 in G Major BWV 1007
1. Prelude 2. Allemande 3. Courante
Performed by Yo-Yo Ma

"Era uma vez... Era uma vez e portanto será."
 in, As Asas do Desejo | Wim Wenders

01/06/11

Assim é...




Terrence Malick | Tree of Life, 2011

"Assim é este amor que tudo compreende e tudo pode." F.M. 

20/05/11

Contigo aprendi



Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas

Só tu me acompanhaste nos súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo

Ruy Belo


música: Wolfgang Amadeus Mozart | Piano Concerto No. 23 in A major, K488 - II Adagio
imagens: Terrence Malick | The New World, 2005

19/05/11

Como queiras, Amor

© Maria | Porto, 2011


Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.

Jorge de Sena

18/05/11

a importância de uma coisa...



"...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros, etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."

Manoel de Barros

12/05/11

As mãos dela



"As mãos dela não repousam
acolhem..."

Fiama Hasse Pais Brandão

10/05/11

Morrer gregamente



li algures que os gregos antigos...
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?

quando alguém morre também quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?

e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?


os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda á pergunta grega,
pode manter-se a paixão como fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?

Herberto Helder, in A Faca Não Corta O Fogo
 

09/05/11

Ela...


07.02.1935 - 09.05.2010

06/05/11

Ela morreu

Ela morreu Como morre no Oriente a nuvem vermelha ao romper do dia,
A nuvem de beleza imensa que o sol inveja
E em glória se alevanta para roubar
A sua cor.

Ela morreu Como morre o clarão breve e fugaz da luz do Sol
Que a sombra persegue correndo veloz.
Não mais cai a chuva, a glória passou e ela morreu
Como o arco-íris.

Ela morreu Como morre a neve na praia caída à beira do mar
E a maré subindo, serena e lenta e sem piedade
E vai cobrindo sem nunca ver nem admirar
Sua brancura.

Ela morreu Como morre a voz da harpa que ao soar vai esmorecendo doce e
solene.
Como num conto de encantar ela morreu
Um conto que ninguém ouvira e estava ainda
Em seu início.

Ela morreu Como morre o luar que da Lua desce
E o marinheiro da noite escura se arreceia.
Como um sonho doce ela morreu e ao sonhador veio
A tristeza.

Ela morreu Ao acordar sua beleza, Sem ela o Céu
Não fora o Céu. Ela morreu e assim o Sol
Na madrugada se vai erguer e apagar.


Evan Maccoll

05/05/11

Ela...


The Irrepressibles | Mirror Mirror, 2010


"Uma tristeza sepulcral habita estes bosques. 

Há um escasso feixe da distante luz solar que perfura o maciço das copas 
e ilumina a terra. Como é profundo o silêncio. Interrompido apenas pelo sussurro 
do vento inquieto ao passar por estes bosques velhos. Chega-nos ao ouvido 
a estranha melodia feita aqui na morada selvagem." F.M.

03/05/11

Nada, nada

© Josef Breitenbach, 1950



"Nada, nada arrancará tua raiz profunda 

Do meu imenso corpo entorpecido de prazer." 


François Mauriac

02/05/11

assim é mais fácil ver-lhe o rosto


"Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à memória. Veste de uma maneira simples... Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles, uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois sempre ocultando o lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é o rosto que desce até às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem, uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para permitir um pormenor vermelho." Luís Miguel Nava

21/04/11

contigo



como Kar-Wai entregou a Chow
e este às ruínas de Angkor Wat,
procura, também tu, um sítio alto
e confia, sem temor, o teu maior segredo
a uma árvore. quando fizer sombra
em tarde estivais, ou te der flores e frutos
para chegares menos sozinho à morte,
o teu segredo virá sentar-se silencioso
contigo, e pensarão juntos uma mão
mais terna para os dedos vorazes da noite.

renata correia botelho, in small song

19/04/11

há músicas



"Há músicas que só podemos
ouvir de joelhos."

Renata Correia Botelho in, Small Song

15/04/11

flutuava

© Guy Bourdin
"No céu flutuava a espuma das nuvens brancas."
 Italo Calvino

12/04/11

tu és o meu nome


© Willy Ronis | Nu au Tricot Rayé, Paris, 1970

"amo-te e digo-te   amo-te e quero-te   para além da morte   na vida
estou sempre à tua espera para te amar   e dizer   tu és o meu nome   o meu fim"
 
António Gancho, in O Ar da Manhã

07/04/11

sobre mim


© Édouard Boubat - Isabelle Huppert


"Estou sem fôlego nos teus braços, pairas sobre mim, as tuas asas circundam-me, movem-se lentamente, pairam, pairam… Espreito a tua forma, a tua silueta, a curva do teu peito; espreito mais, tu agarras a nossa sombra." F. M.

05/04/11

este poema é para ti...


© Maria | Alentejo, 2011 - "A faca não corta o fogo..." 

31/03/11

por acaso somos nós...



"O acaso? É difícil dizer que não existe, mas de qualquer maneira ia-me convencendo de que grande parte daquilo que parece acontecer «por acaso» somos nós que fazemos com que aconteça; somos nós que, depois de mudarmos os óculos com que olhamos o mundo, passamos a ver aquilo que antes nos escapava e por isso pensávamos que não existia. Resumindo, o acaso somos nós." Tiziano Terzani

30/03/11

perfeitamente


© Robert Gligorov - Stars Watcher, 2006

"Como é que, então, agora tão perfeitamente consciente, tão sensível às oscilações do vento ou da luz, te ergues silenciosamente sob o azul do ar? Em ela estás imerso." F.M. 


29/03/11

28/03/11

O mais importante

© Fjorge | Évoramonte, 2010

"O mais importante a fazer neste mundo é arranjar algo para comer, algo para beber e alguém que nos ame." Brendan Behan in, Nova Iorque


25/03/11

Era uma vez

© Robert Gligorov

ELE: «Quem no mundo pode afirmar que alguma esteve unido assim a um outro Ser humano? Eu Sou Uno. Nessa noite eu aprendi o que era o espanto. Ela levou-me a casa. E encontrei-me em casa. Era uma vez... e portanto Será! Terei vivido dentro dela. Somente o espanto sobre Nós, o espanto sobre o Homem e a Mulher que fez de mim um ser humano. Eu sei agora aquilo que nenhum Anjo sabe.»  in, As Asas Do Desejo

11/03/11

uma síntese disto tudo



© Maria | Agosto, 2009



é porque existe o desejo, o olfacto, e o medo,
e os vivos apaixonam-se por outros vivos,
e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos,
e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho,
e o quotidiano aí já não basta,
porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável

E não basta então a mulher que amamos,
nem os filhos
- os que nos vão sobrevive no tempo -
e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr,
é preciso sair dos ossos,
fugir do obrigatório, à casa,
encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa,
fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância
onde Deus era chocolate e o resolvíamos
assim, de uma vez, porque o comíamos

Porque mais tarde crescemos e ganhámos
dinheiro, família, e alguns outros assuntos,
mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar,
de que não sabemos falar.

E é preciso isso tudo,
e por quase tudo o que faltou dizer,
é por isso que é bom, por vezes,
suspender a noite e o coração,
e obrigar o cérebro à paragem surpreendente.

E é por isso que é bom, por vezes,
ocuparmos o corpo no acto de sentar,
e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro,
que nos salve,
por enquanto,
antes de morrermos.


Gonçalo M. Tavares












10/03/11

o amarelo resiste


"Vivo num mundo cinzento, um pouco como um ecrã de cinema. Mas o amarelo resiste".
Jorge Luís Borges
 

03/03/11

hoje venho felicitar-te


© Maria | 2010

"... porque eu nasci contigo e assim cresço. Neste dia em que a história começa, em que os séculos sonham sob as plantas dos meus pés descalços, sob a terra onde crescem árvores. A ti, nesta hora, porque a tua voz me chama e no profundo das minhas entranhas sinto remover-se outra água. Apenas tu... e o fogo. Sempre nos conhecemos. Sempre soubemos. Igual o nosso sangue: transparente e único; vermelho, múltiplo." F.M.