23/12/11

morreste-me


"morreste-me. Mas a memória guarda-me o teu cheiro, as tuas mãos e o teu sorriso. Estás em nós e eu estou em ti. Eu jamais seria eu sem a tua presença constante na minha vida. Comparência que eu gostaria de poder prolongar. Mantenho a memória acesa com pedaços de imagens que me fazem sorrir.
Deixaste-te ficar em tudo... os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele."


José Luís Peixoto in, morreste-me


22/12/11

esta espécie de coração

© Maria | Alfarrabista no Porto, 2010


É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo 'eu' entre nós e nós?

Manuel António Pina

Dir-se-ia antes uma casa...

© Nuri Bilge Ceylan | Returning Home, Ardahan, 2004


É um mundo pequeno,
habitado por animais pequenos
- a dúvida, a possibilidade da morte -
e iluminado pela luz hesitante de

pequenos astros - o rumor dos livros,
os teus passos subindo as escadas,
o gato perseguindo pela sala
o último raio de sol da tarde.

Dir-se-ia antes uma casa...

Manuel António Pina 

20/12/11

I just wanted you to know

Nicolas Winding Refn | Ryan Gosling: Drive, 2011


Driver: I won't keep you long. I have to go somewhere now. I don't think I can come back. I just wanted you to know, just gettin' to be around you, that was the best that ever happened to me.

19/12/11

Era uma vez...

Hanna, 2011 | Joe Wright

«Alguns anos depois, tinham desaparecido todos os vestígios da ferida.»
Ernst Jünger

15/12/11

Beber a vida

© Nuri Bilge Ceylan | series "For My Father", Snowfall, 2007

"Há quem goste de
beber a vida gota a gota ou a jorros;
mas a garrafa é a mesma, não se pode
enchê-la quando se esvazia." 


Eugenio Montale

Falemos de casas

© Nuri Bilge Ceylan | Wooden house in winter, Istanbul, 2004

"Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre o incêndio,


junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza." 

Herberto Helder


14/12/11

Não sei...

Melancholia, 2011 | Lars von Trier

"Não sei se quero descansar, por estar realmente cansada
ou se quero descansar para desistir" Clarice Lispector

ao pé de ti


© Robin Cracknell
"Se fracassei e me sobrar ainda uma hora de vida, recomeçarei; se venci, abrirei a terra para vir deitar-me ao pé de ti." Nikos Kazantzakis

13/12/11

2X2=4

© Shomei Tomatsu. Hateruma Island, Okinawa, 1971

"Há uma frase do Hans Christian Andersen que eu gosto bastante, de uma personagem que diz a certa altura: «Pediram-me para rezar mas eu só me lembrava da tabuada». Nós vivemos muito debaixo do signo da tabuada, ou seja, de certa maneira quando se pede espírito respondem-nos com a tabuada. Quando se pede cultura respondem-nos com a tabuada. Quando alguém pede piedade respondem-nos com 2X2=4. É este mundo do quantitativo que me preocupa..."

Gonçalo M. Tavares

12/12/11

"Não"


Habemus Papam, 2011 | Nanni Moretti

"O que Moretti filma é este pânico, “existencial”, o medo da vida e o medo da morte, a dúvida de um homem velho sobre se, algures, não terá trocado as prioridades (a cena na pastelaria, o prazer simples dos bolos acabados de sair do forno). E que se abeire deste abismo com semelhante equilíbrio entre a gentileza (no olhar sobre tudo e todos, do Vaticano aos cardeais) e a brutalidade (o berro de Piccoli quando o esperam na varanda) é o mais notável cometimento de “Habemus Papam!”, filme sobre uma humanidade que insiste em não ser obliterada pelo estatuto e pelos símbolos. No fim, ganha a humanidade, seca, respeitosa e orgulhosamente: “Habemus Papam!”, grande filme do “não”."  Luís Miguel Oliveira in, Y      

07/12/11

O importante não tem tamanho

© F.M. | Estremoz, Dezembro de 2011

"A calma é tão profunda
e abstracta que a sua fórmula não vem nos livros
e não há movimentos que a desenhem
o importante não tem tamanho para caber na televisão."
 
Gonçalo M. Tavares in, Viagem à Índia

01/12/11

um problema de distribuição

The Seventh Seal, 1957 | Ingmar Bergman

CENA UM
(A Morte vagueando - usa um fato preto de malha no qual os ossos do seus esqueleto são vivamente sugeridos por borrões de tinta branca; e a sua máscara imita cruamente um crânio humano descarnado. Entram lenta e desanimadamente, um figura prodigiosamente barriguda num fato de Pai Natal de um vermelho desbotado e roído pela traça, usando uma máscara com a face familiar do Pai Natal, um velho de barba e bem-disposto)

Morte: - Algum problema, companheiro?
Pai Natal: - Sim.
Morte: - Doente?
Pai Natal: - Angustiado.
Morte: Qual é o problema? Vamos - fala.
Pai Natal: - Tenho tanto para dar; e ninguém quer receber.
Morte: - O meu problema também é de distribuição, só que é ao contrário.


e.e.cummings in, eu:seis inconferências
[Charles Eliot Norton Poetry Lectures]