28/09/12

imaginary place

© Zach Braff | Garden State, 2004

"Andrew Largeman: You'll see one day when you move out it just sort of happens one day and it's gone. You feel like you can never get it back. It's like you feel homesick for a place that doesn't even exist. Maybe it's like this rite of passage, you know. You won't ever have this feeling again until you create a new idea of home for yourself, you know, for your kids, for the family you start, it's like a cycle or something. I don't know, but I miss the idea of it, you know. Maybe that's all family really is. A group of people that miss the same imaginary place." in, Garden State


27/09/12

o joelho

© Maria | Setembro, 2012
"como tremem os joelhos com o encontro dos lábios"

Julius Keleras 


26/09/12

todo o corpo

© Maria | Setembro, 2012


"então, antevejo:
o poema é a mão que corrige o olho,
que antecipa a eternidade
...
essa mão é todo o corpo do poema"

Luís Felício


25/09/12

24/09/12

os dois

©  Jason Cohn, Bill Jersey | Eames: The Architect & The Painter, 2011


Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo,
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através dos húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho

Arseni Tarkovsky


junto ao mar

© Fred Zinnemann | From Here to Eternity, 1953

Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar...

Ruy Belo

com amor,



   Bon Iver | Bon Iver, 2011

Partimos. Vamos para o Outono,
uivando, chorando, perseguindo-nos,
dois falcões de asas desfalecidas.

Traz novos ladrões consigo Verão,
batem asas novas de falcão,
assanham-se combates de beijos.

Voamos do Verão, acossados voamos,
paramos, algures, no Outono,
penas eriçadas, com amor.

Estas as nossas últimas núpcias:
laceramos a carne um ao outro
e caímos nas folhas de Outono.

Ady Endre

21/09/12

tenho a certeza

© Wong Kar-wai | In the mood for love, 2000


"[Isaki] Lacuesta tirou-me as dúvidas: «Gosto de todos os cineastas que se chamam Jean: Jean Vigo, Jean Renoir, Jean Cocteau, Jean Eustache, Jean Rouche, Jean-Luc Godard e Wong Kar-wai, porque tenho a certeza de que Wong quer dizer Jean em chinês.»"

Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

um instante

© Joseph Szabo | Jones Beach, 1978-2006


"apenas um instante e as coisas mudam-se
umas nas outras enlaçadas"

António Franco Alexandre

20/09/12

amante das citações

© Patricia Almeida | Rui Catalão: Dentro das Palavras



"O luxo das citações, das linhas alheias que incluímos nos nossos próprios textos (...). Alguns dos meus patrícios odeiam as citações: não olham com bons olhos uma certa erudição e têm como estúpida palavra de ordem que «quando se escreve não se deve ficar a dever nada a ninguém». Amante das citações, continuo a caminhar por Paris sob a chuva, pelo cemitério laico de Père-Lachaise, deixando-me levar pelo inconsciente fluir dos dias de sempre.

(...)
Citar é respirar literatura para não se afogar entre tópicos castiços e recorrentes que nos ocorrem à caneta quando empenhamos na vulgaridade suprema de «não dever nada a ninguém». Porque, no fundo, quem não cita, não faz outra coisa a não ser repetir, mas sem o saber nem o escolher. «Quem cita», diz Savater, «assume, pelo contrário, sem circunlóquios, o nosso destino de príncipes que aprendemos tudo nos livros.»

Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

inumeráveis

Enrique Vila-Matas

"Na realidade, nunca existiram mapas para os nossos inumeráveis labirintos."
in, Diário Volúvel

inesgotável


"o verdadeiro cientista é Franz Kafka. Nunca se prende a nenhuma verdade e, no entanto, tudo são verdades. É inesgotável. Estampam-se contra eles todos os que, ao querer interpretá-lo desta ou daquela maneira, reduzem a infinitude da sua obra. Só lhe faltou dizer que o verdadeiro saber consiste em medir a extensão da ignorância."

Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

19/09/12

a música dos dias


Piano a 4 mãos | Mário Laginha e Bernardo Sassetti

"
assombrosamente simples"

simples

© Fernando | Maria - Setembro, 2012

"E às vezes alguém, à beira do mar, frente ao Atlântico, escreve no seu diário uma página como esta interrogando-se se não acabará por encontrar nela emoções assombrosamente simples." 

Enrique Vila-Matas, Diário Volúvel

The smile

Ryszard Kapuscinski 
1932 - 2007

More than anything, one is struck by the smile. Always the same smile, everywhere, as if that face were never sad, worried or angry. And if it wasn't smiling, it was pensive or focused instead. Or sheepish. «I'm not disturbing you, am I?» he would ask whenever, whether unhrealded or even if expected, he dropped in at the newspaper office and stopped by someone's desk or room. And there was that smile again: apologetic, very slightly embarrassed. It was a defensive smile that kept the door open for retreat.

Artur Domoslawsky, in Ryszard Kapuscinski - A Life

Era uma vez um homem


"Creio que para fazer bom jornalismo devemos ser, antes de mais, homens bons ou mulheres boas: seres humanos bons. Pessoas más não podem ser bons jornalistas. Se formos boas pessoas podemos tentar entender os outros, as suas intenções, a sua fé, os seus interesses, as suas dificuldades, as suas tragédias. E, tornamo-nos, desde o primeiro momento, parte do seu destino.Ryszard Kapuscinski

18/09/12

como se fosse a primeira vez

© Maria | Setembro, 2012

"Na minha nova vida - porque creio que nos últimos meses, ajudado pela abstemia que se seguiu ao meu colapso físico, passei a fazer uma nova, ou pelo menos uma vida mais serena -, interessam-me muito os seres que conseguem manter ou recuperar o límpido olhar belamente infantil sobre as coisas, do mesmo modo que me interessam os escritores de estilo ou pretensões vanguardistas que procuram fazer tábua rasa da grande rigidez da tradição acumulada e partir em busca de percepções novas, da atitude quase infantil que devolva à arte a facilidade de realização que teve nas suas origens. E agora também gosto daquelas pessoas que procuram remontar às raízes e para isso se deitam na erva fresca da manhã e contemplam o céu e as nuvens como se fosse a primeira vez e se tornam mais fortes na sua radicalidade inocente e acabam rondando à volta de alguma teoria da relatividade, que o mesmo é dizer que aprendem a olhar e a pensar de novo e começam uma vida nova." 

Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

sei que dou vontade de rir...

© F.M. | Setembro, 2012



"Há um ano antes e um depois da minha catarse de semanas atrás. «Quando algo se conclui, devemos pensar que algo começa de novo», recordo ter-me dito então. E assim tem sido. A princípio, sabia o que tinha perdido, mas não o que podia começar. Avancei às apalpadelas e o que surgiu foi a irrupção de um certo sentido da calma aplicado à vida. Andava à demasiado tempo com a impressão de que a organização do mundo estava a atirar-me cada vez mais para um futuro de crescente velocidade que me roubava o presente e me obrigava a viver sempre no futuro, na vida que não existe. 


Era como se vivesse não para viver, mas para já estar morto. Agora tudo tem um outro ritmo, já vivo fora da vida que não existe. às vezes detenho-me a olhar para o curso das nuvens, olho tudo com curiosidade fleumática de diarista volúvel e passeante acidental: sei que dou vontade de rir mas pouco me importa." 

Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

atentamente #2

© Maria | Setembro, 2012
"Fez do mar e do céu seu ser profundo"

Sophia de Mello Breyner Andresen

atentamente


© Maria Manuel Lacerda | Oficina do Livro


"Junho



Mudei de vida. Talvez obrigado pelas circunstâncias, mas o que é um facto é que mudei de vida. Recordo-me dos avisos que, no dia 29 de Junho de 2003, Bernardo Atxaga me enviara de New Hampshire. Conservei a sua carta e agora, relida durante estes dias de convalescença, o meu olhar repousa em certos conselhos amistosos nos quais me alertava sobre os excessivos riscos a que submetíamos as nossas existências. «Creio que chegou a hora de viver um pouco mais atentamente», dizia Atxaga na sua carta. E citava Nazim Himket, que num breve e intenso texto comentava que é preciso levar a sério o viver-se (...) Temos de saber - dizia Himket - que viver é a coisa mais real e mais bela. E não esquecer que viver é a nossa tarefa.


Enrique Vila-Matas in, Diário Volúvel

07/09/12

Meu amor,

Barcelona, 2009


Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.

Jorge de Sena

sem palavras

© Jindřich Štreit


"porque querias que soubesses, do fundo mais fundo e sem palavras, que estás para mim acima de tudo, ainda quando tudo e eu próprio pareçamos dizer o contrário. Isto que digo, digo-to para sempre.
Muitos, muitos beijos do
Jorge"

Jorge de Sena in,  Isto tudo que nos rodeia (Cartas de Amor)

dentro de nós

© Claude Lelouch, 1966

"Mais uma vez voltamos a esta inconsequência triste de alinhar equivalentes desasados e escritos do que não é para dizer-se, mas para viver-se lado a lado calmamente, quando puder ser calmamente. Paciência ainda, que é o que nem sempre temos tido e é tão difícil e idiota ter. Ainda bem que há, dentro de nós, tanto que sabemos ser tudo isso, e o que vai havendo cada vez mais.

Meu amor, muitos e muitos beijos, muitos do teu,
Jorge"
Jorge de Sena in,  Isto tudo que nos rodeia (Cartas de Amor)




06/09/12

isto tudo que nos rodeia

© Piano Magic | Ovations, 2009


"Escrever-me-ás, como eu agora te escrevo; mas o que dizemos já não tem nem precisa de resposta. Sem ti, sabes como fico, como não sei viver, mesmo para as mínimas coisas, que todas vêm de ti, são por ti ou para ti. Saudades, sinto-as outra vez, e não são já iguais às que sentia antes: tu me faltas, és uma parte de mim, que sempre o foi mas não como agora. Muitos beijos, muitos, demorados e longos do teu,
Jorge"

Jorge de Sena in,  Isto tudo que nos rodeia (Cartas de Amor)

em volta de nós

© Joshua Benoliel | início século XX


Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
...
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos...
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória...
...
Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos...
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim...
...
Tudo, em volta de nós,
Tinha um aspecto de alma.
Tudo era sentimento
...
Teixeira de Pascoaes in, Elegia do Amor

05/09/12

© Sena da Silva | Lisboa, anos 50

"Tristeza tão triste nunca saiu nos livros."

Fernando Assis Pacheco

não sei de grupos

© Joshua Benoliel | início século XX


"O comerciante Benito Prada, interrogado pelo inspector-chefe da delegação da Pide, esteve trinta segundos insuportáveis a olhá-lo nos olhos, mastigando a sua antipatia, e depois respondeu:
«Grupos? Eu sei da minha vida, não sei de grupos.»
Bernardini insistiu. Estava furioso e tinha a ponta do lápis semi-enterrada na palma da mão direita.
«Chamei-o ao meu gabinete por uma questão de bom senso: queira ou não queira, o sr. Prada é o cidadão espanhol mais importante da cidade. Que me diz deste atentado ignóbil?»
«Que falhou, caralho!»

Fernando Assis Pacheco, in Trabalhos e Paixões de Benito Prada

é um hábito

© Joshua Benoliel | início século XX


«Convenceram-no disso, sr. Prada?»

«Eu penso por mim, é um hábito desde pequeno. Não me venha com partidos que bate ao postigo errado.»

Fernando Assis Pacheco in, Trabalhos e Paixões de Benito Prada

nenhum deles fora jamais visto a rir

© Judah Benoliel | Lisboa - Rossio, anos 40

"O dr. Salazar usava a técnica das aves de rapina, observado miudamente as presas para cair sobre elas num voo implacável. Por algum motivo tinha a alcunha de Lagarteiro no seminário, antes de vir para Coimbra polir o saber e as maneiras.

Benito Prada não reparara nele enquanto professor da Universidade. Na altura em que chegou a primeiro-ministro escutou alguns episódios da boca do seu amigo ourives: Jorge Galo babava-se de gozo ao descrever-lhe os passeios a dois com o padre Cerejeira, lente de Letras, toucados ambos por grandes umbelas negras, indiferentes às saudações dos estudantes, hirtos, enfáticos, lutuosos, como se pertencessem a um mundo de estatuária encardida pela chuva e pelo vento; nenhum deles fora jamais visto a rir, ocultos que andavam sob as suas máscaras de pele curtida, lisa e sem rugas. Também se falava de uma estranha familiaridade com a governanta, que acompanharia o dr. Salazar em Lisboa até ao fim da sua capacidade terrena. Nesse entretanto, podendo as amizades o que tantas vezes não podem as preces mais ardidas, o padre chegara a cardeal. Estava garantida a dupla angélica para muito tempo." 

Fernando Assis Pacheco in, Trabalhos e Paixões de Benito Prada - Galego da província de Ourense que veio a Portugal ganhar a vida

04/09/12

"a vida não é um sonho"

  © Joachim Trier, 2011 | "Oslo, 31 august"


03/09/12

se ele pudesse dizer #2

© Joachim Trier  | Anders Danielsen Lie  - Oslo, 31 august 


"Aquilo que se escreva conservará cegamente um tremor central, esse calafrio de ter olhado alguma vez o nosso rosto filmado no abismo do mundo."

Herberto Helder
 

se ele pudesse dizer

  © Joachim Trier | Oslo, 31 august, 2011  


"Se eu pudesse dizer quantas vezes quis morrer esta noite,
morrer sem salmo e sem mãe nem pai, morrer como os animais
que sufocam, encurralados entre os muros,
morrer como um verme pisado, sem qualquer assistência,
morrer como o melro esmagado pela roda do comboio aéreo,
morrer como a alma das árvores, que mandam com o vento
os seus segredos para os oceanos, quando a Primavera chega..."

Thomas Bernhard