31/03/15

© Jacob Aue Sobol


Não mais o teu olhar te defende 
Tu és um ser exposto a todos os olhares

Ruy Belo

30/03/15

© Elinor Carucci



uma âncora na boca de um abraço prolongado

João Luís Barreto Guimarães

27/03/15

© Bernardo Martins


Porque somos como as árvores, presos a um lugar, respirando através de uma lei calma e perene.

Herberto Helder

26/03/15

© Erich Hartmann

Como uma espécie de remorso, há a lembrança de um quarto nu, longe, num país estrangeiro. Lá onde esteve quase a morrer de fome. De solidão. Uma vez acordou de madrugada a gritar. Imaginou, num lampejo terrível, que acabava de enlouquecer. Durante o sono, a solidão passada e presente acumulara-se nele e gerara loucura.

Herberto Helder, in Os Passos Em Volta

25/03/15

© Constantine Manos

li algures que os gregos antigos...
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?

e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?


os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda á pergunta grega,
pode manter-se a paixão como fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?

Herberto Helder
1930-2015

24/03/15

© Gianni Berengo Gardin

Estavam em nosso redor intimamente unidos para sempre...

Friedrich Hölderlin, in Elegias

23/03/15

© Chris Steele-Perkins | Irlanda do Norte, 1978.

Não se perde a autêntica inocência,
tal como não se perde a vida autêntica.

Novalis

21/03/15

© Karine Léger

Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do Homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará para sempre. Poesia e Homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por todo o mundo, embora a História pouco se tenha disso apercebido. Hoje sabemos que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu silêncio. Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras vai eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo...

Manuel Hermínio Monteiro, in Rosa do Mundo: 2001 Poemas para o Futuro  

20/03/15


Benjamin Clementine | At Least For Now, 2015


Certos sentimentos podem de repente
viciar as cores do mundo. 

Rui Pires Cabral

19/03/15

© Yury Bird

O poema ensina a cair 
sobre os vários solos 
desde perder o chão repentino sob os pés 
como se perde os sentidos numa 
queda de amor, ao encontro 
do cabo onde a terra abate e 
a fecunda ausência excede 

até à queda vinda 
da lenta volúpia de cair, 
quando a face atinge o solo 
numa curva delgada subtil 
uma vénia a ninguém de especial 
ou especialmente a nós uma homenagem 
póstuma. 

Luiza Neto Jorge

18/03/15

© Manuel Cosentino

Estou só, cheio de mim, como aquela nuvem
que tem lá dentro a calma de ali estar.

Franco Loi

17/03/15

© Steven Meisel | Silent, 2008


«Este vento traz à mente a primavera» dizia a amiga 
caminhando a meu lado olhando para longe «a primavera 
que de repente caiu no inverno perto do mar fechado.
Tão inesperadamente. Passaram tantos anos. Como vamos 
morrer?» 
Uma marcha fúnebre vagueava por entre a chuva miudinha. 
Como morre um homem? Estranho ninguém refletiu 
nisso.
...
Todavia a morte é algo que é feito; como morre 
um homem? 
Todavia alguém ganha a sua morte, a sua própria morte, 
que não pertence a nenhum outro 
e este jogo é a vida.

Yorgos Seferis

16/03/15

© Guy Le Querrec | Berlim, 1989

Se o homem pudesse dizer o que ama,
Se o homem pudesse levantar seu amor pelo céu
Como uma nuvem na luz;
Se como muros que se derrubam,
Para saudar a verdade erguida no meio,
Pudesse derrubar seu corpo, deixando só a verdade de seu amor,
A verdade de si mesmo,
Que não se chama glória, fortuna ou ambição,
Mas amor ou desejo,
Eu seria aquele que imaginava;
Aquele que com sua língua, seus olhos e suas mãos
Proclama ante os homens a verdade ignorada,
A verdade de seu amor verdadeiro.

Liberdade não conheço senão a liberdade de estar preso em alguém
Cujo nome não posso ouvir sem arrepio;
Alguém por quem me esqueço desta existência mesquinha,
Por quem o dia e a noite são para mim o que quiser.
E meu corpo e espírito flutuam em seu corpo e espírito
Como troncos perdidos que o mar afoga ou levanta
Livremente, com a liberdade do amor,
A única liberdade que me exalta,
A única liberdade por que morro.

Tu justificas minha existência:
Se não te conhecer, não vivi;
Se morrer sem te conhecer, não morro, porque não vivi.

Luís Cernuda

13/03/15

© J.S. Johnston ca.1892 / Library of Congress

“...disponho alguns retratos junto ao mar, o mar
rebenta-lhes em cima e atravessa-os, fica dentro
deles”

Luís Miguel Nava

11/03/15

© Matthias Heiderich

"como se a cor tivesse escorrido obliquamente para um dos lados." 

Virginia Woolf, in As ondas

10/03/15


Nick Cave and The Bad Seeds | Murder Ballads, 1996



The reasons I feel compelled to write love songs are legion. Some of these became clearer to me when I sat down with a friend of mine. We admitted to each other that we both suffered from the psychological disorder that the medical profession terms "Erotigraphomania".
Erotigraphomania is the obsessive desire to write love letters. He shared with me the fact that he had written, and sent, over the past five years more than 7,000 love letters to his wife. My friend looked exhausted, and his shame was almost palpable. We discussed the power of the love letter, and found that it was, not surprisingly, very similar to that of the love song. Both serve as extended meditations on one's beloved. Both serve to shorten the distance between the writer and the recipient. Both hold within them a permanence and power that the spoken word does not. Both are erotic exercises in themselves. Both have the potential to reinvent, through words, like Pygmalion with his self-created lover of stone, one's beloved. But more than that, both have the insidious power to imprison one's beloved, to bind their hands with love-lines, gag them, blind them, for words become the defining parameter that keeps the image of the loved one imprisoned in a bondage of poetry. "I have taken possession of you," the love letter, the love song, whispers, for ever.

Nick Cave, in The secret life of the love song - The complet lyrics 1978 - 2013

09/03/15

Peter Weir - Fearless, 1993


Taking pictures on movie sets exposes a bit of the magic; it unmasks things that were never meant to be seen. (Like this picture of stuntman Gil Combs on the set of Fearless, standing on the ledge of a building with his feet being held in case he loses his balance…ha!) Peeking behind the curtain is fascinating, but I am also ambivalent about revealing too much – showing how the “rabbit is pulled out of the hat.” I do know that it’s impossible to expose the REAL magic. The real magic is too deep, and the deeper you dig, the deeper it goes.

Jeff Bridges

06/03/15

© Albert Van Lac Sparrow, 1916

                                              as palavras existem no intervalo das palavras. 
                                           nenhuma imagem é o permanente futuro dos corpos 
                                                 quando se enlaçam, quando se sonham.

                                                         António Franco Alexandre

05/03/15



"Penso que as ideias são muito contagiosas e por isso é muito difícil libertarmo-nos de certas convenções, certas maneiras de pensar. Mas julgo que o caminho para aquilo que considero a liberdade de pensamento, tem a ver com perspectivas múltiplas, não estar presa apenas ao meu lugar na cultura, qualquer que ele seja. Mas deslocar-me da minha posição para outros lugares e imaginar o que seria ser outra pessoa. E isso cria um extraordinário sentimento de liberdade, porque não ficamos presos ao nosso lugar no mundo."

Siri Hustvedt, in O Valor da LiberdadeDiálogos Sobre as Possibilidades do Humano

04/03/15

© Vivian Maier 


Finding Vivian Maier is the critically acclaimed documentary about a mysterious nanny, who secretly took over 100,000 photographs that were hidden in storage lockers and, discovered decades later, is now among the 20th century’s greatest photographers. Directed by John Maloof and Charlie Siskel, Maier’s strange and riveting life and art are revealed through never before seen photographs, films, and interviews with dozens who thought they knew her.

Mais aqui.

03/03/15

O meu amor não cabe num poema...

© Maria


" ... - há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo..."

Maria do Rosário Pedreira 

02/03/15


Wim Mertens | Struggle for Pleasure, 1983


Não era isso que eu queria dizer, 
queria dizer que na alma
 (tu é que falaste da alma), 
no fundo da alma e no fundo
da ideia de alma, há talvez
 alguma vibrante música física
que só a Matemática ouve,
a mesma música simétrica que dançam
o quarto, o silêncio, 
a memória, a minha voz acordada, 
a tua mão que deixou tombar o livro
 sobre a cama, o teu sonho, a coisa sonhada;
e que o sentido que tudo isto possa ter
é ser assim e não diferentemente,
 um vazio no vazio, vagamente ciente 
de si, não haver resposta
 nem segredo.

Manuel António Pina