20/05/11

Contigo aprendi



Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas

Só tu me acompanhaste nos súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo

Ruy Belo


música: Wolfgang Amadeus Mozart | Piano Concerto No. 23 in A major, K488 - II Adagio
imagens: Terrence Malick | The New World, 2005

19/05/11

Como queiras, Amor

© Maria | Porto, 2011


Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.

Jorge de Sena

18/05/11

a importância de uma coisa...



"...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros, etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."

Manoel de Barros

12/05/11

As mãos dela



"As mãos dela não repousam
acolhem..."

Fiama Hasse Pais Brandão

10/05/11

Morrer gregamente



li algures que os gregos antigos...
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?

quando alguém morre também quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?

e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?


os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda á pergunta grega,
pode manter-se a paixão como fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?

Herberto Helder, in A Faca Não Corta O Fogo
 

09/05/11

Ela...


07.02.1935 - 09.05.2010

06/05/11

Ela morreu

Ela morreu Como morre no Oriente a nuvem vermelha ao romper do dia,
A nuvem de beleza imensa que o sol inveja
E em glória se alevanta para roubar
A sua cor.

Ela morreu Como morre o clarão breve e fugaz da luz do Sol
Que a sombra persegue correndo veloz.
Não mais cai a chuva, a glória passou e ela morreu
Como o arco-íris.

Ela morreu Como morre a neve na praia caída à beira do mar
E a maré subindo, serena e lenta e sem piedade
E vai cobrindo sem nunca ver nem admirar
Sua brancura.

Ela morreu Como morre a voz da harpa que ao soar vai esmorecendo doce e
solene.
Como num conto de encantar ela morreu
Um conto que ninguém ouvira e estava ainda
Em seu início.

Ela morreu Como morre o luar que da Lua desce
E o marinheiro da noite escura se arreceia.
Como um sonho doce ela morreu e ao sonhador veio
A tristeza.

Ela morreu Ao acordar sua beleza, Sem ela o Céu
Não fora o Céu. Ela morreu e assim o Sol
Na madrugada se vai erguer e apagar.


Evan Maccoll

05/05/11

Ela...


The Irrepressibles | Mirror Mirror, 2010


"Uma tristeza sepulcral habita estes bosques. 

Há um escasso feixe da distante luz solar que perfura o maciço das copas 
e ilumina a terra. Como é profundo o silêncio. Interrompido apenas pelo sussurro 
do vento inquieto ao passar por estes bosques velhos. Chega-nos ao ouvido 
a estranha melodia feita aqui na morada selvagem." F.M.

03/05/11

Nada, nada

© Josef Breitenbach, 1950



"Nada, nada arrancará tua raiz profunda 

Do meu imenso corpo entorpecido de prazer." 


François Mauriac

02/05/11

assim é mais fácil ver-lhe o rosto


"Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à memória. Veste de uma maneira simples... Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles, uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois sempre ocultando o lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é o rosto que desce até às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem, uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para permitir um pormenor vermelho." Luís Miguel Nava