02/05/11

assim é mais fácil ver-lhe o rosto


"Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à memória. Veste de uma maneira simples... Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles, uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois sempre ocultando o lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é o rosto que desce até às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem, uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para permitir um pormenor vermelho." Luís Miguel Nava

2 comentários:

  1. "eras novo ainda
    mal sabia reconhecer os teus própios erros
    e o uso violento que de noite eu fazia deles
    esta cama de minerais acesos
    escrevo para despertar a fera de sol pelo corpo
    escorrem aves de cuspo para a adolescência da boca
    e junto ao mar existe ainda aquele lugar perdido
    onde a memória te imobilizou
    enumero as casas abandonadas ao sangue dos répteis
    surpreendo-te quando me surpreendes
    pela janela espio a paisagem destruída
    e o coração triste dos pássaros treme
    quando escrevo mar
    o mar todo entra pela janela
    onde debruço a noite do rosto tocado..."

    [al berto]

    beijo-te,

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  2. "Tudo o que disso se recolher servirá de alimentação. Quer dizer:
    podemos devorar a nossa biografia, podemos ser antropófagos,
    canibais do coração pessoal. Aquilo que se escreva conservará
    cegamente um tremor central, esse calafrio de ter olhado alguma vez o
    nosso rosto filmado no abismo do mundo." Herberto Helder

    Beijo-te,

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