03/01/14

Ao mesmo tempo

© David Lynch

"É só disso que Lynch fala neste filme: inocência e condenação ao mesmo tempo; ser vítima de pecados e pecar ao mesmo tempo. Em Twin Peaks: Os últimos sete dias de Laura Palmer, Laura Palmer é ao mesmo tempo «boa» e «má», mas também nem uma coisa nem outra; é complexa, contraditória, real. E nós odiamos essa possibilidade nos filmes; odiamos essa merda do «ao mesmo tempo». «Ao mesmo tempo» surge-nos como uma caracterização mal-amanhada das personagens, cinema pouco claro, ausência de um ponto de vista central. (...) Mas eu defendo que a verdadeira razão para termos criticado e repudiado o ao mesmo tempo pouco claro da Laura de Lynch foi o facto de exigir que confrontássemos de uma forma compreensiva precisamente esse ao mesmo tempo pouco claro existente dentro de nós e dos nossos amigos íntimos e que torna o mundo real dos eus morais tão tenso e desconfortável, um ao mesmo tempo que vamos ao cinema tentar esquecer para conseguir ter a porra de um par de horas de alívio. Um filme que requer que essas características de nós próprios e do mundo sejam não afastadas, via sonhos, juízos ou massagens, mas reconhecidas, e não apenas reconhecidas mas utilizadas na nossa relação emocional com a própria heroína - esse filme vai deixar-nos desconfortáveis, lixados..." 

David Foster Wallace, in David Lynch não perde a cabeça 

2 comentários:

  1. Bem-vindos ao parque onde eu a levei até ao rio, para falar sobre gregos, sexo e David Lynch. Cigarros descartados do verão passado drenados de sarjetas para a água de peixes saudáveis. A sua cabeça eclipsou o sol, mas ainda estava tudo tão vibrante na minha visão periférica. Não conseguimos dançar buzinas e autocarros, fomos então dormir na relva do outro lado.

    E não, não precisamos de compreender para gostar. A emoção e a compreensão são independentes, cada uma leva a sua visa e (sim, por vezes) lá se encontram.
    Beijo-te,

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    1. "as comunicações artísticas mais importantes de todas se passavam a um nível que não só não era intelectual como nem sequer plenamente consciente, que o verdadeiro meio do inconsciente não era verbal mas imagístico, e que mais importante do que saber se as imagens eram realistas, pós-modernas, expressionistas, surreais ou lá o que fossem era se as sentíamos verdadeiras, se batiam em cheio, em termos psíquicos, no receptor.
      Não sei se isto faz algum sentido. Mas é basicamente por causa disso que o cineasta David Lynch é importante para mim. Senti que ele me tinha mostrado uma coisa genuína e importante..."

      David Foster Wallace, in David Lynch não perde a cabeça

      Faz todo o sentido.
      E beijo-te,

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