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© Alfred Eisenstaedt, 1938 |
"A
poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte
do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma
ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser,
uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais
pura do que aquela que eu consigo controlar. Pede-me uma intransigência sem
lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e
dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me
que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas,
densa e compacta. Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha
convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as
vozes e as imagens. Por isso o poema fala não de uma vida ideal mas sim de uma
vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos
quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho
das estrelas, respiração da noite, perfume da tília do orégão."
Sophia Mello Breyner Andresen, Arte Poética II
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