20/04/12

se pudéssemos falar

© J.B. | Solitary tree at the theatre of Dodoni, Epirus, Greece, 2011

"Acordámos cedo e alugámos um carro para ir a Epidauro. O dia começou com uma paz sublime. Era a primeira vez que vislumbrava realmente o Peloponesco. E não era bem um vislumbre, mas uma ampla perspectiva que se abria para um mundo silencioso e pacífico, um mundo semelhante ao que o homem herdará um dia quando deixar de se entregar ao homícidio e à rapinagem.
(...)
É pura perfeição, como a música de Mozart. Atrevo-me até a dizer que há mais de Mozart aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. A estrada para Epidauro é como a estrada da criação. Deixa-se procurar. Calamo-nos, emudecidos pela quietude dos princípios misteriosos. Se pudéssemos falar, seríamos melodiosos. Aqui nada há que se possa colher, entesourar ou acumular: há apenas um derrubar das muralhas que aprisionam o espírito."

Henry Miller in, O colosso de Maroussi

2 comentários:

  1. Durmo e acordo neste tempo que nos pertence.

    Beijo-te,

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  2. "Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
    em resgate e promessa, no que foi e no que será.

    No centro do seu corpo irrompe um precipício
    de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

    Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
    Aqui o desespero, ali a coragem.

    Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
    Se há justiça, ei-la aqui.

    Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
    Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

    Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
    Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
    Em corpo e poesia.

    Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
    leve, logo abafado.

    Aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
    três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.

    O abismo não nos divide.
    O abismo nos cerca."

    WISLAWA SZYMBORSKA

    Beijo-te,

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