© Floto & Warner
"Era
uma vez um menino que tinha um defeito de pronúncia. Não era capaz de
dizer tê: dizia quê. Trocava o tê pelo quê. Trocava o têpluquê. Em vez
de dizer tasa, como toda a gente, dizia casa; em vez de dizer tão, dizia
cão; em vez de dizer...
tapete, dizia carpete (às vezes deixava uns tês para trás, deixava uns
quês para crás). E assim por diante: em vez de dizer tábua, dizia
cábula; em vez de dizer tu, dizia (rabo); em vez de dizer Tomé, dizia
Comé; em vez de dizer taxímetro, dizia caxímetro, etc. (em vez de dizer
etc., dizia ecc.). Esta história (em vez de dizer esta história, dizia
esca escória) tem uma moral, é das que têm: é que todos os defeitos de
pronúncia (como os outros defeitos todos, há uma história para cada
defeito) têm também virtudes de pronúncia, senão eram defeitos
perfeitos. Ao menino, como a toda a gente que tem defeitos de pronúncia,
ENTARAMELAVA-SE-LHE a língua; este menino tinha sorte porque, como as
letras do defeito dele eram o tê e o quê, a língua ENCARAMELAVA-SE-LHE e
o menino gostava muito (goscava muico)."
Manuel António Pina
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