"O meu substituto, Juan Jesús Aznárez, entrou no Koweit e testemunhou pessoalmente o que tinha sido tudo aquilo: vários soldados iraquianos fizeram-no parar a meio do deserto e imploraram-lhe que os tomasse como prisioneiros, mas ele não pôde aceitar a rendição porque os soldados não cabiam todos no seu Honda Civic. Enquanto eu lia as excelentes crónicas de Juanje, ainda espantado com a diferença entre a apaixonante realidade virtual criada pela CNN e a miserável realidade real, tomei uma decisão que me pareceu extremamente sensata: a minha mulher, Lola, e eu íamos deixar tudo e instalar-nos perto de Londres, onde teríamos um cão e uma bicicleta e viveríamos do ar.
(...)
Guardo uma velha fotografia de Lola numa das ruas do triângulo, tirada na nossa primeira viagem juntos a Inglaterra. Lembro-me de que, enquanto eu tratava de averiguar onde se encontrava o botãozito da câmara, ela monologava sobre quão feliz seria ali e, como de costume, imaginava já agradáveis rotinas de residente: tomaria café em tal sítio, passearia por uma certa calçada, compraria flores em determinada esquina... Eu, entretanto, exercia o papel pouco comum de cônjuge sensato e, condescendente, abanava a cabeça:
- E viveríamos de quê? Do ar?
A coerência é uma das minhas características."
Enric González, in Histórias de Londres