19/01/14

© Ernesto Bazan, 1998

"No início tudo estava vivo. Os mais pequenos objectos eram dotados de corações pulsantes, e até as nuvens tinham nomes. As tesouras caminhavam, os telefones e os bules eram primos direitos, os olhos e os óculos eram como irmãos. A face do relógio era uma face humana, cada ervilha na tua taça tinha uma personalidade diferente, e a grelha na frente do carro dos teus pais era uma boca sorridente com muitos dentes. As canetas eram aviões. As moedas eram discos voadores. Os ramos das árvores eram braços. As pedras pensavam e Deus estava em toda a parte.

© Henri Cartier-Bresson, 1962

Claro que o mundo era plano. Quando alguém te tentou explicar que a Terra era uma esfera, um planeta a orbitar o sol com mais oito planetas numa coisa chamada sistema solar, não conseguiste compreender o que o rapaz mais velho dizia. Se a Terra fosse redonda, então toda a gente abaixo do equador cairia, uma vez que era inconcebível que uma pessoa pudesse viver de cabeça para baixo. O rapaz mais velho tentou explicar-te o conceito de gravidade, mas tal também estava para lá da tua compreensão. Imaginaste milhões de pessoas a mergulhar de cabeça pela escuridão de uma noite infinita, omnívora. Se a Terra era de facto redonda, disseste a ti próprio, então o único sítio seguro para se estar era o Polo Norte.

© David Seymour, 1948

As estrelas, por outro lado, eram inexplicáveis. Não eram buracos no céu, nem velas, nem luzes eléctricas, não eram nada que se parecesse com o que conhecias."


Paul Auster, in Relatório do interior

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