© Maria | Lisboa, outono 2012
Inquietam-me as dedadas de deus rente à raiz da carne, ao indeciso equilíbrio da alma na balança, à cicatriz azul do céu sobre o destino.
O mar pneumático, ao sabor do qual contra os sentidos se nos fazem e desfazem as ávidas lembranças, assalta-me os sentidos, tenebrosas
crateras escavadas no espírito e através das quais, incandescentes, as imagens do mundo sobre ele próprio se derramam
como uma lava espessa, esses sentidos que, como aéreos estigmas, nos imprimem na carne a cicatriz do céu, a indecisa maneira de as imagens
do mundo se guindarem mais alto do que a alma ou o alento de quem dentro de nós aviva a sua chama. O que nos sai do coração vem a ferver.
A carne, ao rés da qual o céu se encurva, báscula que deus deixou nos arredores dum qualquer lugarejo
a encher-se de ferrugem, cicatriz pesada, combustível, com raiz nas mais profundas trevas, a carne âncora submersa no destino, ergue-se a pique
de novo onde as lembranças se fazem e desfazem com todo o azul do céu lá dentro a procurar rompê-Ia.
Sentados no convés, como se fosse já noite e nos soubesse o pão ao ranço da memória, contemplamos os rudes marinheiros.
Depois que pela encosta procurámos em vão uma escada de que o último degrau fosse já dentro da memória, suspenso na memória,
desfaz-se-nos dos ossos a carne, com o seu quê de lírico e festivo, em áreas portuárias onde o mar nos sai do coração para galgar o molhe,
e, agora que começam os anos a pesar mais para trás que para a frente, acodem-nos recônditas palavras aos ouvidos:
«Fecharam-se-te os olhos e eu fiquei de fora»,
«Nas tuas mãos começa o precipício».
Luís Miguel Nava
|
Sem comentários:
Enviar um comentário