13/03/13

© Federico Fellini | Marcello Mastroianni: 8 ½ 

"Houve anos em que eu ia ao cinema quase todos os dais até duas vezes por dia, que foram os anos, digamos entre 1936 e a guerra, em suma a época da minha adolescência. Anos em que para mim o cinema era o mundo. Outro mundo diferente do que me circundava, mas para mim só o que vi no écran possuía as propriedades de um mundo, a plenitude, a necessidade, a coerência, enquanto fora do écran se amontoavam elementos heterogéneos que pareciam juntos por acaso...
O cinema como evasão, tem-se dito muitas vezes, como uma fórmula que pretende ser de condenação, e é claro que para mim naquela altura era para isso que servia o cinema, para satisfazer uma necessidade de desenraizamento, de projecção da minha atenção num espaço diferente, uma necessidade que creio que corresponde a uma função primária da inserção no mundo, uma etapa indispensável de toda a formação. É certo que para se criar um espaço diferente há também outras maneiras, mais substanciosas e pessoais: o cinema era a maneira mais fácil e ao meu alcance, mas também a que instantaneamente me levava mais longe. Todos os dias, ao correr a rua central da minha pequena cidade, só tinha olhos para os cinemas (...). A prova da verdadeira paixão era o impulso para me meter dentro de um cinema assim que abriam às duas. Assistir à primeira projecção tinha várias vantagens: a sala meia vazia, como se fosse toda para mim, o que me permitia estender-me no centro da fila com as pernas esticadas por cima das costas do assento da frente; a esperança de tornar a casa sem que tivessem dado pela minha fuga, para depois ter licença de sair de novo (e se calhar de ver ouro filme); uma ligeira tontura para o resto da tarde, prejudicial ao estudo mas favorável às fantasias.
...
Nos tempos limitados das nossas vidas está ali tudo, angustiantemente presente; vêm ter connosco as primeiras imagens do eros e as premonições da morte em todos os nossos sonhos; o fim do mundo começou connosco e não dá sinais de querer acabar; o filme de que tínhamos a ilusão de sermos apenas espectadores é a história da nossa vida."

Italo Calvino, in O caminho de San Giovanni - Autobiografia de um espectador 

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