"Durante quatro dias, fomos todos cem-soldenses. Uma condição bonita. Tão bonita quanto intenso foi ver Aldina Duarte a oferecer-nos um dos momentos maiores, altíssimo, do festival.
No palco Giacometti, uma mulher com uma voz sabedora da vida que as palavras têm, totalmente concentrada nelas enquanto o olhar se perdia no horizonte, que era céu, casario e gente sentada e aglomerada naquele pequeno largo de Cem Soldos, cantou tudo o que o fado tem para cantar. Aldina Duarte foi mais do que tocante, foi música viva, tradição no sentido mais nobre do termo: como aquilo que temos de definidor, de mais importante. E, por isso, foi também festa: houve palmas e gente a dançar e o homem da guitarra, esse grande guitarrista chamado Paulo Parreira, sorriu com condescendente bonomia ao sacrilégio – a dança e as palmas eram, na verdade, uma manifestação de apreço, o mesmo do que o que o público lhe dedicou quando, superiormente acompanhado da viola e do baixo, se lançou numa guitarrada em crescendo que deixou o público de queixo caído e Aldina de sorriso aberto enquanto observava os três músicos.
Em “Contos de Fados”, álbum de 2011, a fadista cantou obras da literatura de todos os tempos adaptadas à métrica e à personalidade do fado, forma maior de lhe provar a universalidade. Foi aquilo a que assistimos em Cem Soldos. O divertido “Gato escaldado” em encore, desilusão de amor vencida por mulher de força; aquele “se cantar bastasse, ai meu amor se bastasse” e saber que não basta certamente, mas que liberta e exorciza; e, claro, o próprio “Contos de fados” que resume muito melhor e em poucos versos tudo o que escrevemos acima: “E se os contos são cantados / Se a rima for bem escolhida / Já não são contos, são fados / Já não são fados, são vida.”
Com Aldina Duarte, tivemos o momento superlativo da despedida do [festival] Bons Sons."
Mário Lopes in, jornal Público | 20.08.2012
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