Como se desenha uma casa
Primeiro abre-se a porta
por dentro sobre a tela imatura onde previamente
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
a mãe para sempre morta.
Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
... iluminam-se no quintal as flores de macieira e, no papel de parede, agitam-se as recordações.
Protege-te delas, das recordações, dos seus ócios, das suas conspirações; usa cores morosas, tons mais-que -perfeitos: o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.
Uma casa é as ruínas de uma casa, uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra; desenha-a como quem embala um remorso, com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.
Manuel António Pina
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