© Maria | Agosto, 2009
é porque existe o desejo, o olfacto, e o medo, 
e os vivos apaixonam-se por outros vivos,  
e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos, 
e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho, 
e o quotidiano aí já não basta, 
porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável 
E não basta então a mulher que amamos, 
nem os filhos 
- os que nos vão sobrevive no tempo - 
e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, 
é preciso sair dos ossos, 
fugir do obrigatório, à casa, 
encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa, 
fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância 
onde Deus era chocolate e o resolvíamos 
assim, de uma vez, porque o comíamos 
Porque mais tarde crescemos e ganhámos 
dinheiro, família, e alguns outros assuntos, 
mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar, 
de que não sabemos falar. 
E é preciso isso tudo, 
e por quase tudo o que faltou dizer, 
é por isso que é bom, por vezes, 
suspender a noite e o coração, 
e obrigar o cérebro à paragem surpreendente. 
E é por isso que é bom, por vezes, 
ocuparmos o corpo no acto de sentar, 
e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro, 
que nos salve, 
por enquanto, 
antes de morrermos. 
Gonçalo M. Tavares 
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Arriscar tem a ver com confiança. Uma pessoa sem confiança vai tentar repetir, fazer igual aos outros, não cometer erros, que é uma ideia muito valorizada. Mas o erro está ligado à descoberta. É fundamental não ter medo nenhum do erro. O que é o erro? Eu tinha previsto ir numa determinada direcção e não fui, errei. O erro é encontrar alguma coisa, algo que se cruza com o novo, o criativo.
ResponderEliminar[Gonçalo M. Tavares]
Eu arrisquei.
Confio em ti.
"Era para ter morrido e afinal renasci."
ResponderEliminarTiziano Terzani
Acontece-me todos os dias isto mesmo.
Contigo,
Linda poesia. Maravilhoso espaço literário.
ResponderEliminarAbraço.
Cristina.
Agradeço o elogio, Cristina.
EliminarO mérito é do Gonçalo M. Tavares e estas palavras, e muitas outras, podem ser lidas no seu livro "A colher de Samuel Beckett e outros textos" editado pela Campo das Letras em 2002.
E obrigada pela visita.